Sobre amores que estão sempre à beira do ódio

“‘Quem é ele, porra?’
Ifemelu contou para o namorado que Rob morava no andar acima do dela, que eles se cumprimentavam e que mais nada tinha acontecido até a noite em que ela o viu chegando com bebidas, ele perguntou se ela queria beber e ela fez algo impulsivo e idiota.
‘Você deu o que ele queria’, disse Curt. Suas feições estavam se endurecendo. Era uma coisa estranha para Curt dizer, o tipo de coisa que tia Uju, que pensava em sexo como algo que a mulher dava ao homem para prejuízo dela própria, diria.
Num súbito acesso estonteante de temeridade, ela corrigiu Curt. ‘Eu tomei o que queria. Se dei qualquer coisa a ele foi por acaso.’
‘Ouça o que você está dizendo! Ouça o que você está dizendo, porra!’, disse Curt, com a voz rouca. ‘Como pôde fazer isso comigo? Fui tão bom com você.’
Ele já estava olhando para o relacionamento deles pelas lentes do pretérito. Aquilo a intrigava, a capacidade do amor romântico se transformar, a rapidez com que uma pessoa amada podia se tornar uma estranha. Para onde o amor ia? Talvez o amor verdadeiro fosse o da família, ligado de alguma maneira ao sangue, já que o amor pelos filhos não morria como o amor romântico.
‘Você não vai me perdoar’, disse ela, numa meia pergunta.
‘Vaca’, disse Curt.
Ele brandiu a palavra como uma faca; ela saiu de sua boca afiada de ódio. Ouvir Curt dizer ‘vaca’ com tanta frieza parecia surreal e Ifemelu ficou com os olhos marejados de lágrimas por saber que ela o havia transformado num homem que podia dizer ‘vaca’ de maneira tão fria e por desejar que fosse um homem que não dissesse ‘vaca’, não importa a situação.”

Trecho de Americanah, romance de Chimamanda Ngozi Adichie

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