O cantor planeja lançar três álbuns em 2011 – um deles só com músicas dos Beatles
Ele poderia se imaginar um pássaro. A voz afinadíssima, os ternos esfuziantes e os braços que ameaçam voar quando se flagram no palco remetem às aves majestosas e coloridas das velhas enciclopédias infantojuvenis. Um martim-pescador, talvez. Ou um tié-sangue, um tucano-de-bico-arco-íris, um sanhaço-frade. Mas não: aquele que muitos consideram o maior cantor do país se vê como um imóvel e silencioso jequitibá. “Cauby significa árvore”, esclarece sempre que lhe indagam a origem do próprio nome. Seu pai, exímio violonista, apreciava literatura. Inspirado nos romances indigenistas que José de Alencar escreveu durante o século 19, batizou a maioria dos seis filhos com palavras extraídas do tupi. O Aurélio e o Houaiss afirmam que o substantivo “caubi” quer dizer “mato verde”. Há quem, no entanto, use o termo para designar uma das árvores mais imponentes do Brasil: o pau-carga, ou jequitibá-rosa, que às vezes atinge 50 m de altura. Explica-se, assim, o porquê de Cauby se enxergar como um caubi. “É uma árvore imensa, compreende? Forte, sólida, robusta. Ninguém consegue derrubá-la.” Passam as décadas, mudam os ventos e o caubi segue inquebrantável.
Criança, em Niterói (RJ), já cultuava as mangueiras, goiabeiras e laranjeiras que se espalhavam pelo quintal do casarão paterno. Empoleirava-se nos galhos frondosos e atravessava as manhãs ali. À época, descobriu-se capaz de dialogar com as árvores em pensamento, excentricidade que alimenta até hoje. “Eu nasci de vocês. Eu adoro vocês. Eu sou vocês”, repete calado, à medida que cruza as ruas arborizadas de Higienópolis, o bairro paulistano onde mora.
Em cena, tem realmente um quê de jequitibá. Continua altivo e seguro, ainda que não aguente cantar o tempo inteiro de pé. Prefere se refugiar numa suntuosa poltrona, ora vermelha, ora prateada. Longe dos holofotes, dá mostras bem mais expressivas de que os 80 anos de idade e 60 de carreira fonográfica lhe pesam muitíssimo. Caminha com vagar, conserva-se monossilábico, respira de maneira ofegante, mantém o olhar permanentemente alheio e exibe lapsos de memória. “Nancy, que tipo de árvores havia mesmo no quintal de papai?” Fã remota e ardorosa do cantor, Nancy Lara acabou assumindo as funções de agente, secretária e governanta dele. Um anjo da guarda que, não raro, se transforma em cão de guarda. “O senhor faça a gentileza de sair. Não percebe que Cauby já se cansou? A entrevista está terminada!” Ela vive com o ídolo num apartamento que ocupa todo o andar de um prédio elegante. “Não publique uma informação dessas, hein? As outras fãs podem se irritar.” Organiza o trabalho da cozinheira e da empregada que servem a casa, controla horários de medicamentos e compra as roupas que o artista veste nos shows. “O quê? Perguntas sobre política, sexo e religião?! Jamais!”
Na escola pública que frequentava em Niterói, Cauby recebia aulas de canto e tirava a professora do sério. “Baixe o tom, garoto!”, suplicava a moça, tentando evitar que os arroubos do aluno, àquela altura um tenor de qualidades duvidosas, intimidassem os colegas. Nos saraus domésticos de que participava, o menino ouvia conselho idêntico dos músicos: “Baixe o tom! Baixe o tom!” Ele jura que baixou e que o vozeirão de agora é nada perto do trovejar de antigamente.
Para garantir o vigor e a precisão vocais, dispensa álcool, não toma sorvete nem bebidas geladas, procura dormir bastante e ensaia duas vezes por semana, mesmo quando não se encontra em cartaz. Preserva, ainda, o hábito de cantarolar à toa no apartamento de Higienópolis. Em tais circunstâncias, prioriza antigas composições românticas. Ou arrisca uma incursão pelo repertório dos jovens intérpretes que admira: Luan Santana, Jorge Vercilo e Ricky Vallen. Enquanto cantarola, desperta invariavelvente a atenção do poodle Ariel, que costuma observá-lo com o rabinho abanando.
De toda a família, só lhe restou Andiara, uma das três irmãs. É pouco, muito pouco. Por mais que se esforce, nunca deixou de sentir falta das noites em que os parentes se reuniam para tocar: o pai no violão, a mãe no violino, os irmãos Moacyr e Araken no piano e no pistom. Também se recorda com saudade das turnês que protagonizou pelos Estados Unidos ao longo das décadas de 1950 e 60. Graças às demoradas viagens, aprendeu inglês. “Do you speak? Oh, good!” Dificilmente abdica da chance de treinar o idioma. Se lhe pedem para apontar a expressão de que mais gosta na língua do Sinatra e do Elvis, dispara: help me. O motivo? Não faz a menor ideia.
Cauby Peixoto
O cantor planeja lançar três álbuns em 2011 – um deles só com músicas dos Beatles
Ele poderia se imaginar um pássaro. A voz afinadíssima, os ternos esfuziantes e os braços que ameaçam voar quando se flagram no palco remetem às aves majestosas e coloridas das velhas enciclopédias infantojuvenis. Um martim-pescador, talvez. Ou um tié-sangue, um tucano-de-bico-arco-íris, um sanhaço-frade. Mas não: aquele que muitos consideram o maior cantor do país se vê como um imóvel e silencioso jequitibá. “Cauby significa árvore”, esclarece sempre que lhe indagam a origem do próprio nome. Seu pai, exímio violonista, apreciava literatura. Inspirado nos romances indigenistas que José de Alencar escreveu durante o século 19, batizou a maioria dos seis filhos com palavras extraídas do tupi. O Aurélio e o Houaiss afirmam que o substantivo “caubi” quer dizer “mato verde”. Há quem, no entanto, use o termo para designar uma das árvores mais imponentes do Brasil: o pau-carga, ou jequitibá-rosa, que às vezes atinge 50 m de altura. Explica-se, assim, o porquê de Cauby se enxergar como um caubi. “É uma árvore imensa, compreende? Forte, sólida, robusta. Ninguém consegue derrubá-la.” Passam as décadas, mudam os ventos e o caubi segue inquebrantável.
Criança, em Niterói (RJ), já cultuava as mangueiras, goiabeiras e laranjeiras que se espalhavam pelo quintal do casarão paterno. Empoleirava-se nos galhos frondosos e atravessava as manhãs ali. À época, descobriu-se capaz de dialogar com as árvores em pensamento, excentricidade que alimenta até hoje. “Eu nasci de vocês. Eu adoro vocês. Eu sou vocês”, repete calado, à medida que cruza as ruas arborizadas de Higienópolis, o bairro paulistano onde mora.
Em cena, tem realmente um quê de jequitibá. Continua altivo e seguro, ainda que não aguente cantar o tempo inteiro de pé. Prefere se refugiar numa suntuosa poltrona, ora vermelha, ora prateada. Longe dos holofotes, dá mostras bem mais expressivas de que os 80 anos de idade e 60 de carreira fonográfica lhe pesam muitíssimo. Caminha com vagar, conserva-se monossilábico, respira de maneira ofegante, mantém o olhar permanentemente alheio e exibe lapsos de memória. “Nancy, que tipo de árvores havia mesmo no quintal de papai?” Fã remota e ardorosa do cantor, Nancy Lara acabou assumindo as funções de agente, secretária e governanta dele. Um anjo da guarda que, não raro, se transforma em cão de guarda. “O senhor faça a gentileza de sair. Não percebe que Cauby já se cansou? A entrevista está terminada!” Ela vive com o ídolo num apartamento que ocupa todo o andar de um prédio elegante. “Não publique uma informação dessas, hein? As outras fãs podem se irritar.” Organiza o trabalho da cozinheira e da empregada que servem a casa, controla horários de medicamentos e compra as roupas que o artista veste nos shows. “O quê? Perguntas sobre política, sexo e religião?! Jamais!”
Na escola pública que frequentava em Niterói, Cauby recebia aulas de canto e tirava a professora do sério. “Baixe o tom, garoto!”, suplicava a moça, tentando evitar que os arroubos do aluno, àquela altura um tenor de qualidades duvidosas, intimidassem os colegas. Nos saraus domésticos de que participava, o menino ouvia conselho idêntico dos músicos: “Baixe o tom! Baixe o tom!” Ele jura que baixou e que o vozeirão de agora é nada perto do trovejar de antigamente.
Para garantir o vigor e a precisão vocais, dispensa álcool, não toma sorvete nem bebidas geladas, procura dormir bastante e ensaia duas vezes por semana, mesmo quando não se encontra em cartaz. Preserva, ainda, o hábito de cantarolar à toa no apartamento de Higienópolis. Em tais circunstâncias, prioriza antigas composições românticas. Ou arrisca uma incursão pelo repertório dos jovens intérpretes que admira: Luan Santana, Jorge Vercilo e Ricky Vallen. Enquanto cantarola, desperta invariavelvente a atenção do poodle Ariel, que costuma observá-lo com o rabinho abanando.
De toda a família, só lhe restou Andiara, uma das três irmãs. É pouco, muito pouco. Por mais que se esforce, nunca deixou de sentir falta das noites em que os parentes se reuniam para tocar: o pai no violão, a mãe no violino, os irmãos Moacyr e Araken no piano e no pistom. Também se recorda com saudade das turnês que protagonizou pelos Estados Unidos ao longo das décadas de 1950 e 60. Graças às demoradas viagens, aprendeu inglês. “Do you speak? Oh, good!” Dificilmente abdica da chance de treinar o idioma. Se lhe pedem para apontar a expressão de que mais gosta na língua do Sinatra e do Elvis, dispara: help me. O motivo? Não faz a menor ideia.
Publicado domingo, 1 de maio de 2011 às 5:50 pm e categorizado como Confessionário. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.