Por que destilamos contra uns a crueldade que não arremessaríamos contra outros?
Recentemente, me lembrei do Maurício. Era um menino de 7 ou 8 anos à época em que o conheci. Estudávamos na primeira série de uma pequenina escola católica, sob a vigilância severa de madres franciscanas. Maurício tinha os cabelos negros e encaracolados, o corpo miúdo, as pernas tortas e a voz fina – mais fina que a de todos nós, os machinhos com quem tentava brincar durante o recreio. Não gostávamos dele e não permitíamos que se enturmasse. “Fora daqui, piolho!”, berrávamos às gargalhadas. Garotos deveriam se expressar de outra maneira, nunca daquele jeito molenga e agudo que insistia em contaminar as palavras do Maurício. Garotos tampouco deveriam chorar, e o Maurício chorava à beça, por qualquer bobagem. “Notou como o paspalho rebola quando corre?”, comentávamos, impiedosos. “É um mulherzinha mesmo…” Falávamos exatamente assim: “um mulherzinha” – o artigo no masculino e o substantivo no feminino, talvez para reiterar a estranheza do Maurício, o lugar confuso que ocupava diante de crianças ávidas por encaixar tudo em espaços bem definidos.