Oásis

Não há ninguém mais solitário do que um adolescente sozinho no verão. Ter 13 anos e sentir o Sol – todos os sóis – à flor da pele, mas não dispor de um irmão, um amigo, um primo, um cachorro ou uma namorada, principalmente uma namorada, para entardecer pela cidade dói tanto quanto a ausência do mar na praia.
Era verão. Eu tinha 13 anos, acabara de entrar em férias e estava sem companhia. Irmão, amigo e primo continuavam penando no colégio, às voltas com provas de recuperação. O cachorro dormia o sono quase contínuo dos cachorros envelhecidos. Faltavam-lhe o ânimo e a fidelidade de outros tempos. Já a namorada, inexistente, existia apenas nas minhas invencionices de rapazinho imberbe, magro e muito tímido.
Às vinte para as três, resolvi perambular sob o mormaço das ruas, como um tuaregue de walkman e bicicleta. Pedalei, pedalei, pedalei até desembocar na praça imensa e alta, de onde conseguia avistar meu bairro inteiro, o mais verde de uma metrópole pouco verde. Àquela hora e debaixo daquele calor, só meia dúzia de pardais e um sorveteiro entediado ousavam derreter por lá. Sentei-me num banco de cimento e aguardei a única coisa que os rapazinhos imberbes, magros e muito tímidos costumam esperar: um milagre capaz de torná-los menos imberbes, magros e tímidos.
Foi quando surgiu um anjo de shortinho jeans, camiseta vermelha e uns brincos hippies que me pareceram reluzir como diamantes da Tiffany, os mesmos usados pela Audrey Hepburn num filme que a Globo vivia exibindo. Então os anjos não precisavam de asas e podiam se transfigurar em meninas?Embora recém-caída dos céus, a morena de olhos inteligentes e cabelos joãozinho esbanjava umas pernas imaculadas – nenhum arranhão, nenhum hematoma –, que caminhavam com desembaraço para o meu lado. Será possível que irão estacionar diante do banco em que me encontro? Estacionaram. Será possível que irão se sentar praticamente coladas às minhas? Sentaram-se. E logo se remexeram, e logo se cruzaram, mas não disseram uma palavra. Contentaram-se em permanecer ali, misteriosas, roubando-me o ar e o prumo.
Tenho que romper o silêncio! Arriscar um “oi”, sacar da cartucheira alguma observação matadora, sugerir um rolê de bicicleta ou, quem sabe, iniciar uma canção e uma dancinha, na esperança de transformar a tarde em videoclipe. Elas, as pernas e a dona das pernas, já deram os primeiros passos. Tudo agora depende de mim. De mim, de mim, de mim!
Não faço ideia de quantos séculos perdi em tais conjecturas. Só lembro que, quando a pressão mostrou-se insuportável e um AVC se avizinhava, ameaçando me converter numa improbabilidade médica, abandonei o banco depressa, peguei a bike e chispei dali, enfurecido com minha covardia.
Idiota! Merece apodrecer na solidão! Do nada, o acaso lhe manda um presente e você o recusa? À medida que me aproximava de casa, a indignação e o arrependimento cresciam. Vai realmente zombar da sorte, infeliz? Vai? Vai?! Não vai! Enchendo-me de uma insuspeitada bravura, resolvi dar marcha à ré e disparei de novo para a praça. Que o presente ainda esteja lá, que ainda esteja lá, que ainda esteja lá.
Não estava, claro – nem lá, nem acolá, nem em lugar nenhum. Mesmo sem asas, o anjo voou, deixando-me apenas com o sorveteiro entediado (ou o tédio morava em mim?) e a meia dúzia de pardais, que já não somavam meia dúzia e talvez nunca tenham sido pardais.

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