Mallu Magalhães: Revolucionária aos 16 anos


Foto João Wainer
As peripécias que converteram Mallu Magalhães num fenômeno pop e ajudaram a implodir a lógica da indústria musical no Brasil

Era um fiapo de música. Uma composição simples e curta que a menina de 12 anos cantava com voz miúda, mas segura, enquanto dedilhava um Di Giorgio de seis cordas. O violão, específico para crianças, parecia de brinquedo — em parte por exibir uma caixa de ressonância menor que a dos modelos adultos, em parte porque naquelas mãos curiosas tudo sempre parecesse de brinquedo. Ninguém lembra direito a letra da canção, nem a menina, que a concebeu, nem o pai da menina, que observava a filha tocar, surpreso. A melodia, em compensação, ainda ecoa na memória dos dois. “Um negocinho bom de ouvir”, explica o pai, Eduardo Pereira de Magalhães, conhecido como Dudi. “Um lá-lá-ri-dooom”, esboça a menina, Maria Luiza, ou simplesmente Mallu. Quando a filha lhe mostrou o lá-lá-ri-dooom pela primeira vez (“descobri que posso compor, pai!”), Dudi logo pensou: “Ela é muito melhor…”. Melhor do que ele imaginara, melhor do que ele um dia tentou ser.
Neste mês, Dudi completa 47 anos. Engenheiro civil, possui uma pequena empresa que constrói condomínios em áreas de veraneio. Durante a infância e a juventude, estudou violão clássico e popular. Gostava de chorinho, de bossa nova e dos Beatles. Nas escassas horas livres que a faculdade lhe concedia, arriscava escrever umas canções e, com um amigo pianista, se apresentava em showzinhos universitários. “Minha técnica dava para o gasto”, conta. “O problema é que me faltava talento e coragem.” No palco, nunca conseguia se acalmar. “Ficava tenso, meus dedos travavam. E as canções que fazia… Redondinhas, corretas, mas extremamente insossas. Chatas… Medíocres!” O oposto do que identificou em Mallu naquela tarde. “Ela me apareceu com uma criação modesta, de dois acordes. Um nada. E, no entanto, o nada soava de maneira especialíssima. Percebi que um caminho promissor se abria.”
Só não imaginou que a promessa se realizaria tão rapidamente. A paulistana Mallu Magalhães, de 16 anos, inicia outubro como uma das atrações do Video Music Brasil, o badalado prêmio da MTV. A cantora foi indicada em três categorias: revelação, melhor show e artista de 2008. No dia 15, uma quarta-feira, disponibiliza para download algumas faixas do disco independente que gravou sob a batuta de Mario Caldato Jr. O currículo do produtor inclui trabalhos com os Beastie Boys, Jack Johnson, Seu Jorge e Bebel Gilberto.
Mais do que um fenômeno pop, Mallu é uma guerrilheira, expressão disparada pela própria menina para se referir às estripulias que anda aprontando. O motim em que se engajou, colorido, irreverente, frenético, já arrebanhou jovens artistas de outras partes do mundo e se orgulha por contabilizar ao menos uma façanha: implodir a lógica que costumava nortear a indústria fonográfica. No Brasil, a revolução se insinua desde a virada do século 20 para o 21, mas ainda não havia encontrado representante à altura — alguém que, em questão de meses e usando a internet como trampolim, saísse do anonimato, conquistasse uma legião de admiradores e alcançasse a mídia tradicional sem o auxílio de nenhuma gravadora. Agora encontrou.
Em outubro do ano passado, quando começou a divulgar quatro de suas músicas pela rede global
de computadores, Mallu pouco se diferenciava dos adolescentes inquietos e criativos que pertencem à classe média alta e freqüentam bons colégios de São Paulo. No amplo sobrado que divide com os pais e a irmã mais velha, tinha o hábito de desenhar, fazer esculturas de papel machê, consertar instrumentos e inventar canções que revelam influência do folk, do rock sessentista e da MPB. Às vezes, também esquecia que está se tornando adulta e punha-se a brincar de Lego, ávida por orquestrar histórias mirabolantes de índios, caubóis e mocinhas sedutoras. No decorrer de 12 vertiginosos meses, o panorama mudou quase que completamente.
Embora continue desenhando, esculpindo, restaurando banjos e violões, produzindo músicas e brincando de Lego, a menina acumulou proezas que a maioria dos cantores de sucesso leva um bom tempo para realizar. Sua página no MySpace, o site internacional de relacionamentos em que abrigou as quatro canções, atraiu mais de 1,9 milhão de visitas. O número impressiona se considerarmos que a carreira precoce de Mallu mira essencialmente o público brasileiro. No mesmo site, os perfis do requisitado Fresno, grupo gaúcho de rock que surgiu em 1999 e também prioriza o mercado interno, somam cerca de 470 mil acessos. Os de Caetano Veloso, 285 mil. E os de Marisa Monte, 200 mil. Por outro lado, os do Cansei de Ser Sexy — banda pop que, desde 2006, investe em extensas turnês pelo mundo — acusam 5,1 milhões de visitas.
Paralelamente à ascensão no MySpace, Mallu invadiu novas e ruidosas praias. Despertou discussões em blogs. Ganhou destaque nos principais jornais, revistas e sites noticiosos do país. Inspirou a fundação de fãs-clubes. Participou de programas na Globo. Arrancou elogios de Tom Zé. Ocupou palcos lendários, a exemplo do Circo Voador, no Rio de Janeiro. Virou trilha sonora de um comercial da Vivo. E deu uma palhinha em “Janta”, faixa do primeiro vôo solo de Marcelo Camelo, guitarrista do Los Hermanos (o álbum se chama “Sou”).
Assim que desembarcar nas lojas, em novembro, o CD da garota fechará o ciclo inaugural de uma trajetória tão espantosa quanto incerta. A guerrilheira terá fôlego para seguir adiante? Talvez um exame mais detalhado de como Mallu chegou até aqui ofereça pistas sobre o futuro. Quem esmiuçar os passos da cantora verá que a sorte e o ímpeto juvenil certamente a guiaram, mas também o carisma e uma pitada de estratégia.
O nascimento de um hit
O sol mal despontara e Mallu já pulava da cama. Os amigos ainda dormiam. Era julho de 2006, férias de inverno em Campos do Jordão (SP). Uma paisagem alpina emoldurava a casa que Dudi alugara. A exuberância do cenário, o calorzinho que afugentava o frio da noite e a convicção de que em breve a farra cotidiana recomeçaria deixavam a menina feliz. E felicidade não é coisa que se deva ignorar. Mallu, então com 13 anos, necessitava exprimir aquilo urgentemente. Pegou o violão e, à medida que improvisava uns acordes, cantarolou: “Tcha tcha tchutchura ba”. De repente, o “tchutchura ba” desembocou em “tchubaruba”. Mallu amou o som. Repetiu-o uma, duas, infinitas vezes. O emaranhado de vogais e consoantes não significava nada. Mesmo assim, traduzia perfeitamente a atmosfera daquela manhã. Tchubaruba, tchubaruba! Em torno do inusitado mantra, Mallu criou uma canção — em inglês, como de costume (“há sensações que só me atrevo a manifestar em inglês”). “If you are down, yes I will say tchubaruba/ If you don’t know where I am, I’ll be tchubarubing/ If you don’t know who you are/ You can tchubada, you can tchubaduba”, sussurrava o refrão. Se você está deprê, eu direi tchubaruba. Se você não sabe onde estou, estarei tchubarubando. Se você não sabe quem é, você pode tchubada, você pode tchubaduba.
“Uau! Parece que acertei”, festejou a garota, intimamente. Ela aprendia violão desde os 10 anos, arranhava o piano, a gaita, o banjo, e sonhava em compor à maneira do pai, que sempre tocou para a filha: “Blackbird”, dos Beatles; “O Leãozinho”, de Caetano; e uma ou outra das tais bobagens que escreveu nos tempos de universidade. “Bobagens? Claro que não! Um repertório fabuloso! Meu pai é o primeiro artista por quem me fascinei. Johnny Cash, Bob Dylan, Neil Young, Zeca Baleiro, os Mutantes, todos só me conquistaram depois.” Quando concluiu
“Tchubaruba”, Mallu finalmente avaliou que encontrara o mapa da mina. Suas poucas canções anteriores não a satisfaziam. Estimulada, entregou-se por inteiro às musas e, dali em diante, produziu mais de 40 composições, algumas também em português.
Nas férias de inverno seguintes, viajou de novo para a serra. Dessa vez, ficou em um acampamento de estudantes. Lá comprovou que “Tchubaruba” de fato funcionava. Certo dia, cantou a música em público e hipnotizou a platéia. “Foi muito encorajador. Crianças e adolescentes, que não sossegam nunca, interromperam a bagunça para me assistir.” Um arraso. Exatamente como Mané previra…
O empurrãozinho do facilitador
Mané, ou Manoel Brasil Orlandi, é o melhor amigo de Mallu. O rosto imberbe e gorducho, os cabelos cacheados e as roupas largas lhe conferem um ar bonachão. Tem 18 anos, embora aparente menos. Conheceu Mallu num sábado, durante uma reunião informal na casa dela. Um vizinho dos Magalhães o levou. Conversa vai, conversa vem, a menina resolveu driblar a vergonha e mostrar “Tchubaruba” para os seis convidados. “Logo que ouvi a canção, meu queixo caiu”, recorda Mané. “Curti cada detalhe: a sonoridade, o refrão, o jogo de palavras.” Num piscar de olhos, adotou o neologismo. “Hoje, quando quero dizer que estou fazendo um negócio bacana, digo que estou tchubarubando.” No mesmo sábado, o rapaz e Mallu trocaram figurinhas sobre preferências musicais e cinematográficas. Entenderam-se tão bem que viraram cúmplices. Juntos, exploram brechós, visitam feiras de antigüidades e perambulam pelo Mercado Municipal. “Eu precisava conhecer o Mané, mas não sabia”, filosofa Mallu. “Somos dois esquisitões”, zomba o garoto. “Por isso, nos identificamos.”
Como o amigo, Mallu sempre se considerou um ponto fora da curva. O patinho feio da turma, com opiniões e gostos difíceis de compartilhar. Na escola, se não costuma tirar notas ruins (ela cursa o primeiro colegial), tampouco engole “os métodos pedagógicos conservadores”, que uniformizam tudo e desrespeitam as particularidades dos alunos. “Aliás, veja que substantivo mais impróprio: aluno. ‘A’ significa sem. E ‘luno’, luz. Aluno: sem-luz!’’, exaspera-se, lançando mão de uma etimologia duvidosa.
Depois de “Tchubaruba”, Mané escutou outras canções da menina. “Incríveis! Por que não as grava e joga na internet? Aposto que irão bombar.” O rapaz, que deseja se tornar cineasta, acompanha com lupa o universo da música e carrega o showbiz no sangue. É neto de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, executivo que comandou a Rede Globo entre 1967 e 1997. “Façamos assim”, prosseguiu Mané. “Você grava as canções e coloca no MySpace. Eu ajudo a divulgar.” O garoto reivindicava para si “o nobre papel de facilitador” — atividade de mil caras que desempenha desde os 14 anos. Sob o álibi da função, já atacou de cambista nas concorridas matinês de um clube paulistano (“comprava ingressos por R$ 10 e revendia por R$ 50”). Também agenciou bandas obscuras de hardcore, dividindo com os roqueiros o lucro dos espetáculos. No caso da amiga, não pretendia cobrar nem um centavo pelos serviços.
Mallu hesitou. Mas, em julho de 2007, depois do frenesi que experimentou no acampamento, topou gravar três ou quatro composições. “Respirei fundo e decidi me atirar do penhasco.” Comunicou os planos à família. Uma tia, precavida, a aconselhou: “Ótimo! Só que, antes, registre a autoria das músicas”.
Faltava, agora, arranjar patrocínio para a empreitada. Em agosto, a menina comemorou 15 anos. Não teve dúvidas: pediu o dinheiro de aniversário. Dudi lhe deu R$ 1.500. Em contrapartida, a mãe — a paisagista Maria Eugênia Franco de Arruda Botelho Magalhães — fez questão de presenteá-la com delicados brincos de ouro: “Minha filha completa 15 anos e não ganha uma lembrancinha decente? Protesto!”. Mallu nunca usou a jóia.
Atenção: gravando!
Para registrar suas criações na Biblioteca Nacional, como manda o figurino, a garota descobriu que precisaria transcrevê-las em partituras. “Impossível”, desanimou-se. “Não domino quase nada de teoria musical.” Estava na iminência de desistir quando lhe ocorreu que, perto de onde mora, existe um conservatório. Aterrissou por lá em busca de socorro. Logo na recepção, avistou o cartaz de um estúdio. Anunciava alguma coisa do tipo: “Gravamos 1 música por R$ 300, sem limite de tempo”. Oferta razoável. Se gravasse quatro canções, gastaria R$ 1.200. Com o resto da grana, bancaria as partituras e os registros. Espiou o nome do estúdio: Lúcia no Céu. O quê?!? Lúcia no Céu, igualzinho à personagem daquele rock dos Beatles (“Lucy in the Sky with Diamonds”)? Sensacional!
“No dia 3 de outubro de 2007, atendi o telefone. Era Mallu”, relata Jorge Moreira, o dono do estúdio. “Falava de um jeito tão infantil que pensei: ‘Uma criança… Não deve nem conseguir afinar o instrumento’.” Baterista de 41 anos, Jorge abrira o Lúcia no Céu recentemente, após se desligar de um outro estúdio, o MK. Com o guitarrista Kadu Abecassis e o baixista Thiago Consorti, integra a banda Something Blue, que acompanha o cantor britânico Pete Hassle em concertos pelo país e pela Inglaterra.
O sobrado do Sumarezinho onde instalou o negócio também lhe serve de residência. O músico, divorciado e sem filhos, vive ali sob a algazarra de dois cocker spaniels. Numa terça-feira, recebeu Mallu. A garota veio sozinha, ostentando uma boina cinza. Perguntou: “Que tal o chapéu? Comprei há séculos, mas esperava uma ocasião mágica para botá-lo”. Jorge lhe sugeriu que mostrasse algo. Ela tocou “Tchubaruba” num violão Fender do próprio estúdio. “A originalidade e o suingue da canção me incendiaram”, afirma o baterista. “Se a pirralha tiver outra como essa”, ruminou, “é uma geniazinha.” De imediato, julgou um desperdício gravar aquilo apenas com voz e violão. Propôs que ele, Mallu e Abecassis, da Something Blue, formassem um trio no estúdio. A menina, pasma, consentiu.
Entre outubro e dezembro de 2007, reuniram-se uma vez por semana, em sessões vespertinas de seis horas, para produzir diferentes takes de “Tchubaruba”, “J1”, “Get to Den­mark” e “Have You Ever”. Enquanto as gravações avançavam, Mallu e Jorge iam se revelando cada dia mais moleques. Promoviam guerrinha de água e outras brincadeiras infames. Ele a apelidou de Magalu. Ela revidou chamando-o de George, com sotaque americano, em alusão às trapalhadas do protagonista de “George of the Jungle”, o desenho animado da década de 1960. “Aleluia! Finalmente descolei alguém da minha idade para trabalhar”, ironizava o músico, certo de que uma misteriosa dança cármica os uniu. Espiritualista e doido por folk, Jorge defende que a garota é a reencarnação de uma cantora do gênero. “Não saberia dizer qual, mas é. Ela já nasceu folk.” Acredita, ainda, que encontrou a parceira em passagens anteriores pela Terra e que a encontrará nas próximas. “Sempre comento com Mallu: ‘Quando você estiver bem velhinha, se surgir um jovem baterista querendo emprego, contrata porque sou eu’.”
A bênção da vó Regina
Mal terminou de gravar “Tchubaruba”, a menina tratou de colocá-la na página do MySpace que acabara de inaugurar. Com a providencial mãozinha de Mané, disparou e-mails para Deus e o mundo: “Me ouçam!”. Também pôs alertas no Orkut e no MSN. Batizou a iniciativa de “ação guerrilheira”. No fim de outubro de 2007, a página beirava os 200 acessos. Foi então que uma tremenda oportunidade cruzou o caminho do facilitador. O rapaz se divertia no Tim Festival, em São Paulo, quando a moça que o levara à balada sentiu uma vertigem: necessitava de ar. Afastou-se da multidão e se refugiou no “setor dos tiozinhos”, onde o pai dela papeava com um amigo, Rafael Rossatto Bifi. Enquanto acudia
a moça, Mané cumprimentou a dupla. Descobriu que o gaúcho Rossatto — publicitário de 34 anos, ex-guitarrista da banda Bidê ou Balde — garimpava talentos musicais para associá-los à imagem de marcas como Pepsi, Toddy, Levi’s e Ipiranga. Sem pestanejar, Mané lançou a isca: “Sou produtor de uma garota…”. Não caía bem empregar o termo “facilitador”.
Poucos dias depois, Rossatto recebeu o link de Mallu no MySpace. Vasculhou a página e se apaixonou: “Mané, tenho uma proposta”. A Levi’s, interessada em estreitar laços com os consumidores adolescentes, desejava financiar o clipe da canção “J1”. Havia a possibilidade de exibi-lo na MTV. “Vocês aceitam?”, indagou o publicitário. Sim, sim, por que não?
Mané também apresentou o repertório de Mallu para o avô. Boni o examinou e fez uma única observação: “Ela devia compor em português. Seduziria mais o mercado brasileiro”. Já a avó do garoto — ex-mulher do executivo — conheceu a cantora pessoalmente. “Mané a trouxe aqui”, conta Regina Boni, que mora no bairro nobre dos Jardins. Os três almoçaram em um restaurante das imediações. A menina comeu beirute e tomou dois milk-shakes de coco. “Em seguida, vimos um filme de Pedro Almodóvar no DVD”, continua Regina. “O humor fino de Mallu me cativou. Lembra o de Rita Lee.” Durante as décadas de 1960 e 1970, a avó de Mané conviveu de perto com a roqueira e outros ícones da música popular. Figurinista, desenhou os trajes que Caetano, Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa vestiam nas performances do tropicalismo. Assinou, igualmente, várias roupas da jovem guarda. Mais tarde, na década de 1980, se transformou em marchand e representou um sem-número de artistas importantes: Tomie Ohtake, Nuno Ramos, José Resende, Luiz Paulo Baravelli.
Mallu escutava, maravilhada, as histórias de Regina. Folheava livros de arte e devorava as obras que se espalham pela sala da marchand (inclusive a célebre bandeira “Seja Marginal Seja Herói”, de Helio Oiticica, que acabaria inspirando uma composição da menina). Às tantas, quis cantar, mas não pôde porque o violão da anfitriã quebrara. “Vou arrumar”, prometeu. Botou o instrumento debaixo do braço e se despediu. Retornou em dezembro de 2007, com o violão recuperado, para um sarau que Regina organizava. “Agora cante”, intimaram. Mallu, claro, entoou “Tchubaruba”. Uma publicitária que participava da reunião se empolgou: “Preciso avisar a Indayara”. E assim, na semana seguinte, a garota se aproximou de Indayara Moyano, promotora de shows que preparava um espetáculo do Vanguart para janeiro.
O forte da banda mato-grossense, queridinha dos indies, é justamente o folk. “Você topa abrir o concerto deles, Mallu?”, perguntou Indayara. A menina, que venera o grupo, quase morreu do coração: “Eu?!? Tocando no mesmo palco do Vanguart?!?”. Regina a tranqüilizou: “Não se preocupe. Ajudo você com o figurino”. E Jorge garantiu que convocaria a Something Blue para acompanhá-la.
Deu na Folha, no JB, no G1…
Janeiro de 2008 começou demonstrando que a “ação guerrilheira” de Mallu rendia frutos. Sua página no MySpace alcançava mil acessos, cinco vezes mais do que em outubro. Um agitado clube do underground paulistano, o Clash, anunciava o début da garota para o dia 12. Naquele sábado à noite, Mallu e a Something Blue realmente entraram em cena. Agarrando-se às dicas de Regina, a cantora usava um chapéu preto, um short bege, uma pulseira de bolinhas coloridas e uma blusa azul desestruturada. Nervosismo? Pouco. Na verdade, saltitava de alegria. Ela, que costumava dormir às 21h, que não tinha idade para freqüentar boates e que cultivava uma paixonite secreta por Helio Flandres, o vocalista do Vanguart, de repente estava ali, abrindo um show do ídolo (hoje são namorados). “Encarei aquilo como uma deliciosa exceção. Do tipo: segunda-feira, volto à rotina e tchau. Com 40 anos, narro a aventura para meus filhos.”
Apenas umas 20 pessoas assistiram à estréia de Mallu. O resto do público se aglomerava em torno do bar. Entre os espectadores, destacava-se Lúcio Ribeiro, um influente colunista de música. “Fui ver o Vanguart”, diz. “Quando cheguei, Mallu já tocava. Só decidi prestar atenção porque notei que, em vez de covers, a menina cantava composições próprias e relativamente sofisticadas para alguém tão novo.” Pegou os contatos dela. No dia 14, redigiu um rápido texto que a apontava como uma das promessas de 2008. O Pop­load, blog do jornalista com aproximadamente 60 mil visitas por mês, veiculou a nota. Pronto: o pavio estava aceso. Num impressionante efeito dominó, Mallu tomaria a mídia de assalto. Figurou, primeiro, em outros blogs: Don’t Touch My Moleskine, de Daniela Arrais; Trabalho Sujo, de Alexandre Matias; e Vitrola, de Ronaldo Evangelista. Depois, migrou para uma reportagem do G1, o portal de notícias das Organizações Globo. Por fim, no dia 30, abocanhou a capa de dois cadernos culturais: o da Folha de S.Paulo e o do Jornal do Brasil. Àquela altura, o MySpace indicava que a página da garota superava os 70 mil acessos.
Os celulares de Mallu e Mané dispararam. Executivos de cinco gravadoras (Warner, EMI, Sony BMG, Universal e Deckdisck) rondavam a cantora. Emissoras de televisão pediam entrevistas. Casas noturnas solicitavam espetáculos.
Um balãozinho
Em fevereiro de 2008, o facilitador aceitou almoçar com Wagner Vianna, diretor artístico da Warner. Recrutou Mallu e aportaram num restaurante japonês. “Foi surreal, uma experiência divertidíssima”, relata Wagner. “Os moleques me inundaram de dúvidas sobre a indústria fonográfica e sugeriram uns projetos malucos.” Por exemplo: para imitar Juno, a teenager grávida do espirituoso filme que leva o nome da personagem, Mallu esconderia uma bexiga cheia de ar sob a camiseta e se apresentaria com um barrigão de nove meses. Loucuras à parte, o almoço assustou Mané: “Tive medo de me precipitar, de tomar decisões erradas”. A peripécia se tornara séria demais.
Ainda em fevereiro, o pai de Mallu — que até então monitorava tudo à distância — assumiu as rédeas da situação. Estudou os contratos das gravadoras e os recusou. “Se assinasse com qualquer uma, condenaria minha filha à escravidão. Os caras exigem que o artista entregue dez palácios e oferecem um alfinete em troca.” Disposto a administrar a carreira da menina sem se submeter “às cláusulas draconianas das corporações”, preferiu firmar uma sociedade com Rossatto, o publicitário que Mané conheceu no Tim Festival. Em março, os sócios venderam a canção “J1” para o comercial da Vivo. O dinheiro que embolsaram (não revelam cifras) viabilizou o disco independente de Mallu.
A ascensão repentina da cantora parece não angustiar Dudi. “Penso como meu pai: filhos são balõezinhos. A gente deve criá-los com imenso cuidado. Mas não pode esquecer que, uma hora, eles sobem, sobem, sobem, e escapam do nosso alcance.” Mallu ainda não escapou.
(revista Bravo!)

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