“Precisamos democratizar o elitismo.”
“Precisamos democratizar o elitismo.”
Por que, mesmo quando os lugares são marcados, tanta gente faz fila na porta do cinema logo após comprar o ingresso?
“Shep, mantendo uma distância respeitosa, deixou que a voz interior lhe dissesse que ela não poderia estar morrendo. Não se morria daquele jeito, no final de um corredor sonolento, no meio da tarde. Ora, que diabo, se ela estivesse morrendo, aquele zelador não estaria passando o esfregão com toda tranquilidade no piso de linóleo, e certamente não estaria cantarolando, e nem deixariam o rádio tocar tão alto a poucas portas dali. Se April Wheeler estivesse morrendo, é certo que este mural não estaria aqui na parede, com o folheto mimeografado de um baile para os funcionários (‘Divirtam-se!’), e as cadeiras de vime não estariam assim dispostas, com esta mesinha e estas revistas.”
“Eu tinha 18 anos e estava em minha primeira aula de filosofia, na USP. O professor, Renato Janine Ribeiro, nos explicava que no fim do semestre seríamos avaliados por um trabalho individual, cujo limite deveria ser de 8.000 caracteres. Levantei a mão: ‘Se estourar um pouquinho esse limite, tudo bem, né?’ Janine sorriu e disse algo mais ou menos assim: ‘O que é limite? É aquilo que não se pode transpor. Mas vejam como são as coisas no Brasil: entre nós, o limite não limita! Repito: o limite é de 8.000 caracteres’.”
“árvores do cemitério
o que querem me dizer_
que a vida é um pouco mais simples
do que pode parecer?”
– Chegou ao fundo do poço, o pobrezinho…
– Mas esse tipo de poço tem fundo?
“Até anteontem, a figura de uma pessoa negra etiquetava um escravo; agora, uma consciência maior da nossa alergia à igualdade faz o uniforme branco das babás virar um problema (…). E, no entanto, o branco é uma representação do limpo e do transparente. Símbolo da paz, não deixa de ser curioso como o branco se relaciona com os fantasmas envoltos em névoa. Esse nevoeiro de um Brasil escravocrata que escondemos, no qual o branco figurava como uma personificação da propriedade de pessoas. Uniformizar, como disse Max Weber, faz parte do mundo moderno onde médicos, garçons, policiais, engenheiros, cientistas e operários estão uniformizados. A questão é o uso obrigatório e simbólico da roupa para distinguir as babás nesses clubes de elite. Ser de elite dispensa para cima; já o uso obrigatório do uniforme distingue para baixo. Uma presumida superioridade dada pela riqueza, pelo poder ou pela celebrização extingue a culpa, do mesmo modo que o emprego doméstico deve lembrar – pela roupa usada como cicatriz ou estigma – a origem escravocrata do serviço que promove a intimidade, mas (e aí está o ponto) não pode conduzir à igualdade. Ora, uma intimidade (o dar a mão) sem igualdade (o não tomar o braço) tem sido o princípio estruturante de toda a nossa vida social. Uma das babás diz ao jornal (O Globo) que elas não têm nome. São ‘babás’: o papel social de anjos da guarda dos filhinhos amados de suas bem-postas patroas promove o sumiço de suas cidadanias. Sempre foi assim. Façamos um teste – responda rápido: qual é o nome completo de sua empregada doméstica? Entre a escravidão na casa e o pseudomoderno emprego doméstico quase não há hiato. A continuidade foi feita abafando a igualdade, mas mantendo a intimidade que humaniza a todos, não liquidando, porém, as subordinações. No fundo, os problemas não são somente das babás, mas das patroas receosas de serem confundidas com suas ‘criadas’, na medida em que esses serviços se profissionalizam e trazem à tona esses dilemas.”
Webmaster: Igor Queiroz