Temporada de caça

E se um pato resolvesse tentar a sorte no Tinder, o aplicativo que promove encontros amorosos?


Há quem se sinta o Neymar, o Sebastian Vettel ou o Brad Pitt. Eu me sinto um pato. Não o tempo inteiro, claro. Na maioria das ocasiões, me alegro em ser o que sou: um tipo abençoadamente corriqueiro, sem nada de grandioso nem indícios de bico ou penas. Ocorre que, às vezes, a autocrítica assume excessivamente as rédeas e me julgo muitíssimo desengonçado, tolo, inadequado. Um pato, enfim – e daqueles amarelos, de plástico grosseiro, incapazes de nadar, voar ou pataquipatacolar.
Poucas semanas atrás, sob a força arrebatadora das ideias de jerico, decidi entrar no Tinder exibindo justamente meu calcanhar de Aquiles. O aplicativo para celulares, não custa lembrar, nasceu com o propósito de facilitar encontros amorosos. Depois de baixá-lo, o interessado cria um perfil em que se define brevemente e disponibiliza fotos de si próprio. Também indica a localização, a idade e o sexo dos usuários que gostaria de conhecer. Eu priorizei mulheres entre 27 e 50 anos, que frequentassem os bairros de São Paulo por onde circulo. O Tinder me ofereceu, então, um cardápio com uma imensidão de retratos femininos, todos acompanhados de dois ícones: um xis vermelho e um coração verde. A ruiva de sorriso largo me desagradou? Bastava clicar no xis impiedoso. Me atraiu? Coraçãozinho para a Miss Simpatia. Se uma das aprovadas estivesse à procura de homens parecidos comigo e curtisse o meu perfil, o aplicativo nos avisaria e botariaem contato. Tudobastante funcional e promissor, exceto por um detalhe: não havia imagens minhas borboleteando pelo Tinder. Em vez de selfies, divulguei exclusivamente a fotografia do meu alter ego – o tal do pato amarelo, igualzinho os de banheira. Ou melhor: quase igual. O que adotei usava óculos e gravata. No campo destinado às apresentações, mandei: “Sou um pato escaldado, mas que ainda não tem medo de água fria”.
A estratégia, reconheço, soava um tanto suicida. Que senhora ou senhorita se permitiria flertar com um maluco de asas? Praticamente nenhuma, tirando as… bem-humoradas! Bancando o pato, eu certamente perderiaem quantidade. Poroutro lado, aumentariam as minhas chances de acertar o alvo. Existe, afinal, característica mais irresistível numa mulher do que a disposição para rir?
Foram apenas duas as fêmeas que ousaram me ofertar o coração esverdeado. Quer dizer que você gosta de patos?,  indaguei à primeira, uma loira de 49 anos, enxutérrima. “Não especialmente, mas achei você bonitão.” Jura? Sempre me considerei um patinho feio… “Oba! Esse pato, além de bonitão, leva pinta de inteligente.” A paquera seguiu divertida até que a loira resolveu perguntar a minha profissão. Nos momentos em que não estou tentando nadar, vivo de escrever, respondi. “Belo ofício! Eu trabalho como auditora.” Para quem? “Para o governo. Receita Federal.” Ops! Devo tomar cuidado com você? “Um pouco…” Embora seja uma ave cumpridora de meus deveres cívicos, me pareceu mais seguro não prolongar a abordagem.
Já a segunda pretendente, uma advogada de 37 anos,  adentrou o campo no ataque: “Aonde você pensa que vai com tamanha ironia?”. Não titubeei: pode escolher o lugar, desde que tenha um lago. “Maravilha! Adoro lagos. É que, às vezes, também me sinto uma pata.” Quando exatamente? “Quando converso com estranhos…” Só um pato muito pato não a convidaria para sair.
(revista VIP)

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