Por que, mesmo depois de envelhecer, me tornar cínico e virar editor, continuo um repórter apegado?

“O repórter apegado é uma figura digna de pena dentro do ambiente da redação. A vontade das pessoas é dizer para ele: ‘tá se achando artista? Vai virar escritor’, numa fúria digna daqueles usuários de transporte público que se irritam quando alguém reclama do calor ou da falta de espaço. ‘Quer ventinho? Vai de táxi.’ A tréplica mais evidente é que, bem, eu até iria, mas me faltam certas condições.
O repórter apegado briga por vírgulas e chora porque a ordem de uma frase foi alterada de forma pouco lisonjeira. Alguns tremem quando um parágrafo inteiro é amputado (o que acontece simplesmente o tempo todo). Quando um amigo elogia seu artigo, o repórter apegado faz questão de ressaltar exatamente que frases e estruturas foram alteradas em relação ao original. O amigo geralmente se arrepende do elogio e vai buscar uma coxinha. Uma vez, soube de um repórter apegado que abordou uma senhora lendo o jornal no metrô para esclarecê-la sobre a injustiça de certas alterações sintáticas. A moça disse que só estava lendo o horóscopo na página ao lado e mudou de lugar. Em seus sonhos mais audaciosos, o repórter apegado invade a redação logo após o fechamento e encomenda trocas para a gráfica: altera linhas finas, muda todo o direcionamento da matéria.
O comportamento certamente é mais comum em jovens, mas não sei dizer se com o tempo as pessoas ficam mais cínicas, mais evoluídas ou apenas tentam outra profissão. Talvez fiquem cínicas, evoluídas e virem editoras.”

Extraído do blog Já Matei por Menos, de Juliana Cunha

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