Por que não criticar a crítica?

“Ir na contramão do senso comum e das normas estabelecidas é característica de todo pensamento crítico. Mas quando se trata de avaliar iniciativas que, justamente, atuam ou pelo menos se declaram à contracorrente do ‘sistema’, parece que o sentido crítico se dilui, temeroso de ser apontado como cúmplice desse mesmo sistema que deseja combater. É como se estivéssemos numa conjuntura de polarização ideológica simplificadora, que suspeitasse de todo comportamento diferente da adesão incondicional a uma causa – o que é, evidentemente, o túmulo da crítica. Parece que é o que vem acontecendo na atual polêmica em torno da Mídia Ninja e do coletivo Fora do Eixo, sobretudo a partir da entrevista de seus respectivos líderes ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Nas redes sociais, o desempenho de ambos foi imediatamente comemorado – eles teriam ‘jantado’ experientes jornalistas, muitos dos quais insistiam em indagar sobre a origem dos recursos que mantinham aquelas atividades, aparentemente interessados em identificar alguma falcatrua –, mas logo que começaram a surgir graves denúncias contra o grupo a situação se alterou, e houve mesmo quem falasse na ‘armadilha’ que representava participar de um programa como aquele, num canal comandado pelo tucanato. (…)
Na noite de segunda-feira (12/8), uma manifestação em frente ao Palácio Guanabara acabou em violência. A Mídia Ninja transmitiu em quatro links. ‘Caralho, galera! Vai dar merda, hein? Bomba de gás, spray de pimenta! Caralho, galera!’, era como um dos rapazes transmitia. A galera, naturalmente, só podia intuir o motivo de tudo aquilo. Dentro do palácio, após audiência com o vice-governador, um grupo de professores da rede estadual, em greve desde quinta-feira (8/8), resolveu ficar. Acabou expulso pelos policiais. Um dos ninjas estava lá. ‘Tá meio tenso, mas tá tudo bem. (…) Estão jogando pedra aqui dentro, aparentemente…’ No meio da gritaria, sobressai a voz de uma mulher, mais exaltada. ‘Tá empurrando por que, cara? Não empurra! Larga ela! A violência começa de vocês! Covarde! Co-var-de!’, e logo a seguir o coro: ‘Fas-cis-ta! Fas-cis-ta’. E o ninja: ‘Estão batendo aqui nos professores, aqui no Palácio da Guanabara (…), Mídia Ninja apanhando, policiais batendo no Mídia Ninja, estão empurrando a gente aqui, Mídia Ninja apanhando, sendo expulsa…’ O trecho do vídeo foi divulgado no Facebook, mas as imagens não permitem ver nada além de um tumulto, que não se entende por que começou. É assim, entre exclamações de espanto e protestos, que se constrói a narrativa ‘independente’. Afinal, o que se passa? Tumulto, agressões, violência – mas por quê? Explicar o que acontece parece dispensável. Basta mostrar e excitar-se, para excitar e provocar uma indignação difusa em quem vê. Pensando bem, quem diz que as narrativas da Mídia Ninja não são jornalismo tem razão. Não são mesmo. Aquele ‘J’ do acrônimo, o que faz ali?”

Trecho de Uma crítica à contracorrente, artigo de Sylvia Debossan Moretzsohn

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