Oh, que saudades que tenho do outrora da minha vida…

 “Terminei a leitura do último livro de Mario Vargas Llosa (A Civilização do Espetáculo) exatamente como gosto de terminar um livro: com notas extensas de concórdias e discórdias, escritas pelo meu punho, ao longo de todo o volume. Mas, primeiro, as apresentações: Vargas Llosa apresenta-se como ‘um dinossauro em tempos difíceis’. O que significa este jurássico autorretrato? Significa uma confissão: Vargas Llosa olha em volta e vê frivolidade, aparência _numa palavra, ‘espetáculo’. E vê o desaparecimento da cultura como experiência ética e estética que nos permite compreender os problemas do mundo. Hoje, esta ‘civilização do espetáculo’, que se desdobra em livros light, filmes light, arte light, religiões light e até relacionamentos pessoais light, serve apenas para fugirmos dos problemas do mundo. Numa palavra, serve para nos ‘alienarmos’. O termo não é inocente, e Vargas Llosa sabe disso: como diria Marx e os seus discípulos, sobretudo o ‘situacionista’ Guy Debord, existe na civilização de hoje, como existia na civilização dos séculos 19 e 20, uma vontade desesperada de remeter o pensamento e a cultura para as margens da sociedade capitalista. E aqui reside a minha pergunta primeira: não terá sido sempre assim? Platão, na sua República, não era particularmente entusiasta dos poetas da sua época. Shakespeare, tido agora como parte fundamental do ‘cânone ocidental’, era considerado um dramaturgo ‘popular’ pela intelligentsia da Inglaterra isabelina. Não estaremos nós também a ver superficialidade em toda a parte e a cometer o mesmo erro dos nossos antepassados, que sempre se consideraram testemunhas de um mundo em decadência? Woody Allen, de quem Vargas Llosa manifestamente não gosta, glosou sobre o assunto em Meia-Noite em Paris: há nos contemporâneos de todas as eras um descontentamento com o presente que os leva a romantizar eras passadas. Assim acontecia com o personagem do filme, o roteirista Gil (um notável Owen Wilson), que suspirava no século 21 pela Paris da década de 20. Até viajar a esse passado de ‘festa móvel’, como lhe chamou Hemingway, e descobrir que os contemporâneos da década de 20 suspiravam pela Belle Époque; e os contemporâneos da Belle Époque, pelo Renascimento italiano; e etc. etc., sempre em regressão nostálgica.”
Trecho de As lamentações do dinossauro, artigo de João Pereira Coutinho

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