Já ganhou o sorriso de um velho hoje?

“No império do jovem [em que vivemos], por incrível que pareça, os idosos estão começando a receber agrados, gentilezas, certos privilégios das relações interpessoais. As famílias deixam os idosos sentarem na frente no carro. O idoso, quando não atrapalha, quando não é chato, quando não é repetitivo, goza de simpatia (…).
O velho tem mais tempo para jornal e revistas. O velho novidadeiro tem tempo para pescar novidades, é visto como um cara divertido. E se ele assim for, nem importa que seu caminhar seja mais lento e que para entrar e sair de veículos emita alguns ‘ai-ai-ais’. Como é que nós vamos achar uma explicação para isso, neste mundo tão preconceituoso com as rugas e as dores tão próprias da ‘melhor idade’?
Tenho uma hipótese, que quase acho ser uma tese: a vida profissional e afetiva hoje em dia está tão competitiva, tão difícil e estressante que os maduros, isto é, os adultos jovens, não podem se permitir sorriso, simpatia, contato suave e despretensioso. Já o velho não tem que competir na raia da corrida pela vida glamourosa. Ele já é tudo o que podia vir a ser. Não sendo doente, o idoso vive num espaço relaxado. É livre para curtir o aqui/agora. Os indivíduos que estão no centro do universo da inclemente vida pública têm que ser eternamente desconfiados, atentos, sempre à busca de eficiência.
O idoso no aeroporto, no parque, na praia, de manhã pelas ruas, depara-se com um mundo de sorrisos. Se ele sorrir, ele receberá uma acolhida afetiva. Naturalmente isso não vale para a mãe carente que telefona com frequência. Ou o pai, tio ou avô que atrapalha com suas perguntas, queixas. O bem querer do idoso tem a ver com ajudar sem atrapalhar. Tem a ver com o sorriso. (…) Os sorrisos que acolhem são uma libertação dos jovens e adultos, que se sentem livres para olhar sem ver competição.”

Trecho de Rugas em vantagem, artigo da psicanalista Anna Veronica Mautner

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