Uma família estranhamente normal

“Meus pais praticam o poliamor, um termo que partilha a sua origem entre o grego e o latim e que designa os relacionamentos românticos não monogâmicos em que há o consentimento de todas as pessoas envolvidas. Quando era pequeno, morava com o meu pai, a minha mãe, o companheiro da minha mãe e, durante um tempo, com a mulher do companheiro da minha mãe. A minha mãe chegou a ter até quatro homens em simultâneo. O meu pai também tinha as suas mulheres, o que significa que fui criado no meio de uma rede interligada de adultos que preservavam as relações não exclusivas, mas com compromissos que poderiam durar anos ou mesmo décadas. A primeira vez que me explicaram a situação eu tinha cerca de 8 anos. O meu irmão, na altura com 4 anos, perguntou o porquê de o James, o companheiro da minha mãe, passar tanto tempo com a gente.
‘Porque eu o amo’, disse a minha mãe, com toda a naturalidade.
‘Bem, isso é bom’, disse o meu irmão, ‘porque eu também o amo’.
A verdade é que era tudo bastante simples. Em retrospectiva, o que mais me maravilhava na nossa situação era como tudo parecia tão esmagadoramente normal. Muitos gostariam que tivesse sido mais emocionante, que eu tivesse apanhado os meus pais no meio de uma orgia turbinada com anfetaminas, cheia de pessoas com o rabo de fora, freiras e aves de capoeira. Mas não. A minha era uma família disfuncional como outra qualquer. (…)
Ao fazer o balanço da minha vida, acho que a educação que me foi dada nesse ambiente fez de mim uma pessoa melhor. Tive a oportunidade de falar com adultos de origens muito distintas, fossem os companheiros dos meus pais ou os companheiros dos companheiros deles. Vivi com gays, héteros, bis, transexuais, escritores, cientistas, psicólogos, pessoas ricas e pessoas pobres. Crescer neste meio tão variado contribuiu para ampliar a perspectiva que tinha do mundo e para forjar a minha personalidade.
Nunca invejei os meus amigos com pais monogâmicos. Uns viviam com dois ou só com um progenitor, outros com padrastos, com avós ou com tias ou tios. Logo, a minha situação não era assim tão estranha. Acho que não devem existir muitas diferenças na maneira como pais monogâmicos ou poliamorosos lidam com os filhos. Bons pais são aqueles que o são independentemente do número. Felizmente, os meus eram incríveis.
E eu não acho que as relações poliamorosas sejam melhores do que as monogâmicas. São simplesmente diferentes, mas gostaria que não fossem tão estigmatizadas. Apenas 17% das culturas humanas praticam a monogamia estrita, enquanto as restantes englobam uma mistura de relacionamentos. Não existe uma família tradicional. No seu livro Sex at Dawn, o escritor Christopher Ryan explica que a monogamia remonta apenas à época da revolução agrícola. Antes disso, vivíamos em pequenas comunidades que partilhavam os seus pertences (alimentos, abrigo, ferramentas etc.). Após a chegada da revolução agrícola, a monogamia começou a desenvolver-se como resultado da preocupação pela perpetuação da espécie e do sistema para herdar bens materiais. De acordo com o escritor, o comportamento romântico que os seres humanos têm atualmente revela um caráter puritano desnecessário: ‘Trata-se de uma uma visão vitoriana e ultrapassada da sexualidade humana, em que o desejo está vinculado aos direitos de propriedade’. O século 20 testemunhou o regresso às nossas raízes poliamorosas, consequência da revolução sexual e do feminismo e, também, de uma maior independência econômica das mulheres. Parece-nos que essa tendência vai continuar a crescer. (…)
Passamos grande parte da nossa vida em sofrimento e a lutar; o resto é amor e uma boa pizza. Levando em conta o fragmento do tempo cósmico de que desfrutamos neste minúsculo grão de areia a que chamamos Terra, não podemos simplesmente aceitar que o amor é amor, seja entre raças diferentes, entre pessoas do mesmo sexo ou entre mais de duas pessoas?”

Trechos de Fui criado numa família poliamorosa, artigo de Benedict Smith

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