Qual a diferença entre sentir na pele e sentir por causa da pele?

Querido Brasileiro Não Negro, caso um Brasileiro Negro esteja te falando sobre a experiência de ser negro, por favor, não se anime e dê exemplos de sua própria vida. Não diga: “É igualzinho a quando eu…”. Você já sofreu. Todos no mundo já sofreram. Mas você não sofreu especificamente por ser um Negro Brasileiro. Não se apresse em encontrar explicações alternativas para o que aconteceu. Não diga: “Ah, na verdade não é uma questão de raça, mas de classe. Ah, não é uma questão de raça, mas de gênero. Ah, não é uma questão de raça, é o bicho-papão”. Entenda, os Negros Brasileiros na verdade não QUEREM que seja uma questão de raça. Para eles, seria melhor se merdas racistas não acontecessem. Portanto, quando dizem que algo é uma questão de raça, talvez seja porque é mesmo, não? Não diga: “Eu não vejo cor”, porque, se você não vê cor, tem de ir ao médico, e isso significa que, quando um homem negro aparece na televisão e eles dizem que ele é suspeito de um crime, você vê uma figura desfocada, meio roxa, meio cinza e meio cremosa. Não diga: “Estamos cansados de falar sobre raça” ou “A única raça é a raça humana”. Os Negros Brasileiros também estão cansados de falar sobre raça. Eles prefeririam não ter de fazer isso. Mas merdas continuam acontecendo. Não inicie sua reação com a frase “Um dos meus melhores amigos é negro”, porque isso não faz diferença, ninguém liga para isso, e você pode ter um melhor amigo negro e ainda fazer merda racista. Além do mais, provavelmente não é verdade, não a parte de você ter um amigo negro, mas a de ele ser um de seus “melhores” amigos. Não diga que seu avô era da Bahia e que por isso você não pode ser racista (…). Não mencione o sofrimento de seus bisavós libaneses. É claro que eles aturaram muita merda de quem já estava estabelecido no Brasil. Assim como os portugueses ou espanhóis. Assim como as pessoas do Leste Europeu. Mas havia uma hierarquia. Há cem anos, as etnias brancas odiavam ser odiadas, mas era meio que tolerável, porque pelo menos os negros estavam abaixo delas. Não diga que seu avô era um servo na Itália na época da escravidão, porque o que importa é que você é brasileiro agora e ser brasileiro significa que você leva tudo de bom e de ruim. Os bens do Brasil e suas dívidas, sendo que o tratamento dado aos negros é uma dívida imensa. Não diga que é a mesma coisa que o antissemitismo. Não é. No ódio aos judeus também há a possibilidade da inveja _eles são tão espertos, esses judeus, eles controlam tudo, esses judeus_, e nós temos de admitir que certo respeito, ainda que de má vontade, acompanha essa inveja. No ódio aos Negros Brasileiros, não há inveja _eles são preguiçosos, esses negros, são tão burros, esses negros. (…)
Então, depois dessa lista do que não fazer, o que se deve fazer? Não tenho certeza. Tente escutar, talvez. Ouça o que está sendo dito. E lembre-se de que não é uma acusação pessoal. Os Negros Brasileiros não estão dizendo que a culpa é sua. Só estão dizendo como é. Se você não entende, faça perguntas. Se tem vergonha de fazer perguntas, diga que tem vergonha de fazer perguntas e faça-as assim mesmo. É fácil perceber quando uma pergunta está sendo feita de coração. Depois, escute mais um pouco. Às vezes, as pessoas só querem ser ouvidas. Um brinde às possibilidades de amizade, de elos e de compreensão.

Trechos do romance Americanah, adaptados para a nossa realidade. O livro (magnífico) é da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie

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