“Anedotas, ditados, máximas e piadas têm, digamos, uma narrativa axial de significado evidente – exemplo: coelho para a coelha: ‘Vai ser bom, não foi?’ – e significados radiais implícitos e/ou subevidentes. No caso do coelho e da coelha, o sentido da narrativa está na rapidez do enunciado ‘Vai ser bom, não foi?’. Coelhos são, notoriamente, animais sexualmente hiperativos, mas cuja conjunção carnal se completa em uma fração de segundo, justamente o espaço de tempo representado, na frase, pela vírgula. A quase justaposição do primeiro e do segundo segmento da frase, separados apenas por uma vírgula providencial, é que produz o humor da piada. A frase É a piada. São dispensadas informações secundárias tipo onde se deu o encontro do coelho com a coelha, detalhes (caráter, vida pregressa etc.) dos dois e do pós-coito – a coelha, por exemplo, se sentiu frustrada com a rapidez da conjunção, esperava algo mais romântico e preliminares mais prolongadas, ou já estava resignada ao sexo relâmpago típico da sua espécie e só esperava que pelo menos o coelho não tivesse ejaculação precoce, o que só encurtaria ainda mais o evento? Como o humor está na frase rápida e não inclui detalhes adicionais comuns em outras anedotas – que, geralmente, contêm uma história, um cenário identificável e personagens humanos -, o caso do coelho e da coelha requer muita atenção do ouvinte. Ele pode não entender da primeira vez. E, se quiser, pode buscar outras interpretações da piada, além do comentário jocoso sobre a vida sexual do coelho. A frase pode conter um comentário maior e mais abrangente sobre este tempo em que vivemos, em que passamos da antecipação do prazer para a crítica do prazer sem a etapa intermediária do prazer. O coelho e a coelha seriam um casal prototípico da era da ansiedade, do stress e da rapidinha.”
Trecho de Frases, crônica de Luis Fernando Verissimo
Publicado
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015 às 6:19 pm e categorizado como Blog.
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Os coelhos somos nós?
“Anedotas, ditados, máximas e piadas têm, digamos, uma narrativa axial de significado evidente – exemplo: coelho para a coelha: ‘Vai ser bom, não foi?’ – e significados radiais implícitos e/ou subevidentes. No caso do coelho e da coelha, o sentido da narrativa está na rapidez do enunciado ‘Vai ser bom, não foi?’. Coelhos são, notoriamente, animais sexualmente hiperativos, mas cuja conjunção carnal se completa em uma fração de segundo, justamente o espaço de tempo representado, na frase, pela vírgula. A quase justaposição do primeiro e do segundo segmento da frase, separados apenas por uma vírgula providencial, é que produz o humor da piada. A frase É a piada. São dispensadas informações secundárias tipo onde se deu o encontro do coelho com a coelha, detalhes (caráter, vida pregressa etc.) dos dois e do pós-coito – a coelha, por exemplo, se sentiu frustrada com a rapidez da conjunção, esperava algo mais romântico e preliminares mais prolongadas, ou já estava resignada ao sexo relâmpago típico da sua espécie e só esperava que pelo menos o coelho não tivesse ejaculação precoce, o que só encurtaria ainda mais o evento? Como o humor está na frase rápida e não inclui detalhes adicionais comuns em outras anedotas – que, geralmente, contêm uma história, um cenário identificável e personagens humanos -, o caso do coelho e da coelha requer muita atenção do ouvinte. Ele pode não entender da primeira vez. E, se quiser, pode buscar outras interpretações da piada, além do comentário jocoso sobre a vida sexual do coelho. A frase pode conter um comentário maior e mais abrangente sobre este tempo em que vivemos, em que passamos da antecipação do prazer para a crítica do prazer sem a etapa intermediária do prazer. O coelho e a coelha seriam um casal prototípico da era da ansiedade, do stress e da rapidinha.”
Trecho de Frases, crônica de Luis Fernando Verissimo
Publicado quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015 às 6:19 pm e categorizado como Blog. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.