“Há um movimento global em construção. Por falta de outro nome, ele é chamado de movimento antigrátis (anti-free em inglês, com free sendo usado no sentido de gratuidade, não de liberdade). Sua origem é a constatação de que boa parte dos trabalhadores intelectuais do planeta hoje faz seu trabalho de graça ou por valores ínfimos. Um exemplo é o número de estagiários nas indústrias criativas de cidades globais como Nova York, Londres ou São Francisco que trabalham de graça em moda, design, artes plásticas, escrita, e publicidade. Trabalhar de graça é visto como a primeira etapa para ser remunerado no futuro. Mais do que isso, há um acordo tácito de que esse trabalho é pago por fatores além do dinheiro. Ir a festas sensacionais, conhecer pessoas ‘incríveis’ e o mais importante: acumular capital reputacional – que no futuro poderá ser trocado por pagamentos efetivos. (…)
Para complicar, estamos vivendo o momento em que as fronteiras entre trabalho e lazer (work e play) perdem sentido. Não causa mais espanto ver como o ambiente de trabalho das empresas no ramo criativo torna-se cada vez mais parecido com um espaço de lazer. Mas a questão vai além. Atividades on-line que hoje fazemos por ‘diversão’ na verdade geram valor econômico para alguém. Nesse sentido, a artista Laurel Ptak escreveu o manifesto ‘salários pelo Facebook’, em que demanda pagamento por suas contribuições feitas para o site. Por sua visão, seria como se milhões de pessoas no mundo tivessem se tornado estagiários não pagos das redes sociais. Muita gente trabalha em sua profissão regular até as 18h e à noite ‘estagia’ para redes sociais até a hora de dormir. Esse é um debate difícil. Para lidar com ele vamos precisar de novos conceitos.
Outra ilustração do debate é a obra de Yochai Benkler, professor de Harvard. Ele analisa como as pessoas criam e trabalham por conta de incentivos financeiros e não-financeiros (reputação, diversão, prazer pessoal, laços sociais e outros). Essa prática sempre fez parte das atividades humanas. Mercantilizá-la, com um preço para toda relação e atividade, é mais uma distopia do que algo desejável. No entanto, a questão é quando essa disposição para a criação não remunerada gera relações sociais abusivas. É contra isso que o movimento antigrátis se insurge. Na sua perspectiva, muita gente deveria receber seu hype em dinheiro.”
Trecho de Somos todos estagiários?, artigo de Ronaldo Lemos
Publicado
terça-feira, 16 de dezembro de 2014 às 12:27 pm e categorizado como Blog.
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Quanto vale o trabalho intelectual?
“Há um movimento global em construção. Por falta de outro nome, ele é chamado de movimento antigrátis (anti-free em inglês, com free sendo usado no sentido de gratuidade, não de liberdade). Sua origem é a constatação de que boa parte dos trabalhadores intelectuais do planeta hoje faz seu trabalho de graça ou por valores ínfimos. Um exemplo é o número de estagiários nas indústrias criativas de cidades globais como Nova York, Londres ou São Francisco que trabalham de graça em moda, design, artes plásticas, escrita, e publicidade. Trabalhar de graça é visto como a primeira etapa para ser remunerado no futuro. Mais do que isso, há um acordo tácito de que esse trabalho é pago por fatores além do dinheiro. Ir a festas sensacionais, conhecer pessoas ‘incríveis’ e o mais importante: acumular capital reputacional – que no futuro poderá ser trocado por pagamentos efetivos. (…)
Para complicar, estamos vivendo o momento em que as fronteiras entre trabalho e lazer (work e play) perdem sentido. Não causa mais espanto ver como o ambiente de trabalho das empresas no ramo criativo torna-se cada vez mais parecido com um espaço de lazer. Mas a questão vai além. Atividades on-line que hoje fazemos por ‘diversão’ na verdade geram valor econômico para alguém. Nesse sentido, a artista Laurel Ptak escreveu o manifesto ‘salários pelo Facebook’, em que demanda pagamento por suas contribuições feitas para o site. Por sua visão, seria como se milhões de pessoas no mundo tivessem se tornado estagiários não pagos das redes sociais. Muita gente trabalha em sua profissão regular até as 18h e à noite ‘estagia’ para redes sociais até a hora de dormir. Esse é um debate difícil. Para lidar com ele vamos precisar de novos conceitos.
Outra ilustração do debate é a obra de Yochai Benkler, professor de Harvard. Ele analisa como as pessoas criam e trabalham por conta de incentivos financeiros e não-financeiros (reputação, diversão, prazer pessoal, laços sociais e outros). Essa prática sempre fez parte das atividades humanas. Mercantilizá-la, com um preço para toda relação e atividade, é mais uma distopia do que algo desejável. No entanto, a questão é quando essa disposição para a criação não remunerada gera relações sociais abusivas. É contra isso que o movimento antigrátis se insurge. Na sua perspectiva, muita gente deveria receber seu hype em dinheiro.”
Trecho de Somos todos estagiários?, artigo de Ronaldo Lemos
Publicado terça-feira, 16 de dezembro de 2014 às 12:27 pm e categorizado como Blog. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.