Escoteiros disfarçados

“Encontrei uns caras dissidentes à direita da TFP no bairro da Liberdade. Vestiam roupas combinando azul e dourado. Um deles tocava gaita de foles. Distribuíam folhetos contra a Bienal de Arte de São Paulo. Resolvi provocar:
– Vocês são escoteiros?
– Não, senhor, somos do IPCO, Instituto Plínio Corrêa de Oliveira.
– PCO? Da Causa Operária? Vocês são comunistas?
– Não, senhor, somos do IPCO, estamos denunciando a Bienal de Arte.
– Não são do PCO e não são escoteiros… Mas vocês fazem acampamentos, não fazem?
– Sim, fazemos, todos os anos.
– Nas florestas? Tem festas nesses acampamentos?
– Não, senhor, não tem festas.
– Pô, se não tem festa, não quero ir.
– É…
– Por que vocês distribuem isso, falando do Cristo sodomita?
– É justamente isso que estamos denunciando. É a blasfêmia.
– Eu não acho blasfêmia. Acho bem legal.
– O senhor já foi à Bienal?
– Fui (menti). Gostei muito. Tem certeza de que vocês não são escoteiros?
Enquanto conversávamos, um outro rapaz tocava gaita de foles. O primeiro escoteiro desistiu, chegou o segundo. Perguntei:
– Por que gaita de foles?
– Temos uma banda, mas a gaita chama mais a atenção.
– Eu achei esquisito.
– Viu? Chamou a atenção.
– Por que vocês não usam instrumentos indígenas. Ou flautas bolivianas?
– (Tempo.) É que não apareceu ninguém que toque. Mas quando tiver, a gente vai usar.
– E tambores africanos? Por que não usam tambores africanos?
Recebo um olhar de espanto, como se tivesse invocado o demônio ele mesmo.
Finalmente, o sujeito percebe que estou brincando. Não sorri, não se irrita. Vira e vai distribuir o panfleto para alguém mais distraído. Segui em frente, pensando: como é que tem gente que ainda cai nessa de escotismo?”

Do jornalista Haroldo Ceravolo

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