Faz sentido que biografados cobrem royalties de biógrafos?

“No direito autoral, o autor deve obter uma porcentagem do lucro advindo da exploração comercial de sua obra. Se um editor publica o seu livro, deve lhe pagar parte da receita das vendas. Se um intérprete grava a sua música, idem. Se uma emissora de rádio a toca, ibidem. Toda vez que houver reprodução dessa obra, com finalidade comercial, o pagamento é devido. Mas o pressuposto é que a obra seja reproduzida, isto é, explorada em sua integridade formal. Se, entretanto, um crítico de literatura escreve um ensaio sobre a obra de um autor, a cobrança é indevida, pois se trata de uma nova obra, logo uma nova autoralidade (essa sim deve receber royalties de sua editora). Os limites entre a reprodução de uma obra e o que deve ser considerado uma nova obra não são claros, e se tornaram mais confusos com o surgimento de novas tecnologias. Assim, por exemplo, se alguém faz um mashup, usando uma parte de uma obra e misturando-a com partes de outras obras, estamos diante de reprodução ou nova autoralidade? Na minha opinião, de nova autoralidade, diante da qual não cabe pagamento de direitos nem mesmo necessidade de autorização.
Pois bem, sob esse aspecto da autoralidade, o que é uma biografia? Se é que se pode considerar a vida de um biografado uma forma, ela necessariamente não é reproduzida numa biografia. Uma biografia se serve de fragmentos da vida de um indivíduo (Barthes lhes chamava ‘biografemas’) e os seleciona, edita, compõe, interpreta, perfazendo uma nova forma, logo uma nova obra e, consequentemente, nova autoralidade. Portanto, quanto à autoralidade, uma biografia está para uma vida assim como um texto crítico está para a obra que explora. Não cabe divisão de direito autoral entre biógrafo e biografado porque só o primeiro é autor de uma biografia. O segundo ‘apenas’ serviu de base para essa nova construção.”

Trecho do artigo O público e o privado IV, de Francisco Bosco

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