Dois leoninos
– Você gostaria de realizar um dos meus sonhos, moço?
Negra, maltrapilha e pequenina, a garota disparou a pergunta ontem à noite, assim que estacionei o carro na rua Martim Francisco, em Santa Cecília, bairro paulistano de classe média.
– Sonho?
– Sim. Queria ganhar um bolo de aniversário. Meu primeiro bolo de aniversário…
– Você faz aniversário hoje?
– Faço.
– Eu também!
– Mentira.
– Juro que é verdade. Nasci no dia 20 de agosto de 1966. Estou completando 47 anos. E você?
– Adivinhe.
– Quinze?
– Errou.
– Dezesseis?
– Vinte. Me esqueci de crescer…
– E como você se chama?
– Stephane.
– Pois vou lhe comprar um bolo, Stephane. Sabe de alguma padaria aqui perto?
Ela sabia.
– Espero na porta, moço.
– Não, entre comigo.
– Vão me expulsar.
– Relaxe. Ninguém mexerá com você.
Sob o balcão, numa prateleira refrigerada, havia uma infinidade de bolos, todos imensos.
– Muito grandes, não?
– Grandes nada! O moço nem imagina o tamanho da minha fome.
– Fome de bolo?
– Fome de bolo!
Floresta negra, marshmallow com amora, coco e abacaxi. Enquanto a atendente descrevia cada uma das guloseimas, Stephane demonstrava angústia.
– Jamais pensei que fosse tão difícil escolher um bolo…
Acabou pedindo o de chocolate com morango.
– Putz, me ocorreu um problema: se ficar fora da geladeira, o bolo estragará.
– Não esquente. Comerei tudo hoje.
– Sozinha?! Enlouqueceu? Você passará mal.
– Vou dividir com uns amigos.
– E os pratos? E os talheres? Precisamos comprá-los.
– Que exagero, moço! Sou da rua, mas ainda não virei bicho. Lá na maloca a gente tem prato, colher, garfo, faca e caneca.
À saída da padaria, Stephane vasculhou o bolso da calça e encontrou um pacotinho.
– Dropes de menta. É o meu presente para você.
– Para mim? Não se preocupe.
– Se o moço recusar, vou me ofender.
Aceitei. Em seguida, sentamos no meio-fio _eu com o pacotinho, ela com o pacotão.
– Cadê sua família?
– Sei lá. Não me importo. Minha mãe conheceu meu pai numa biqueira…
– Numa boca de fumo?
– Exato, numa quebrada. Ele me engravidou…
– Ele quem?
– Meu pai.
– Seu pai?! Pai mesmo ou padrasto?
– Pai mesmo. De sangue.
– Quando?
– Há três anos. Ganhei uma menina.
– Ela é saudável?
– Não…
– E onde está?
– Com minha mãe e meu pai. Eles a tiraram de mim. Vê as cicatrizes no meu rosto?
Os olhos de Stephane marejaram.
– Vamos mudar de assunto, moço. Hoje é o nosso aniversário! Para que recordar as tristezas?
– Tem razão.
– Estou com vontade de lhe dar um beijo. No rosto, né?
– Pode dar.
Fiz menção de abraçá-la.
– Não me abrace, não. Vai doer.
– Doer?
– Sim, as costas. Catei muitas latinhas à tarde. Me abaixei demais. Acho que machuquei a coluna.
– Então me dê um beijo sem abraço.
Deu.
– Queria lhe pedir outra coisa.
– O quê?
– A notinha do bolo.
– O tíquete do cartão?
– Isso.
– Por quê?
– Para guardar de lembrança. Posso pegá-lo?
ai, coió, jura??? que aniversário mais doce!
tentei lhe falar o dia todo, mas nunca consigo…
quero re dar parabéns.
tó!
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Pode até não ser verdade… Mas é uma história linda! Meu filho faz aniversário amanhã…
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Moço, vi pela primeira vez hoje seu blog. Seu texto me trouxe enorme felicidade! obrigada.
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