A mídia tradicional sente, agora, o sabor do próprio veneno?

“‘À primeira vista um enorme fórum de livre debate, as redes são formadas por células que mais reiteram seus hábitos e certezas do que os submetem à discussão. Esta, quando ocorre, adquire tons de estéril guerrilha verbal’, afirma o editorial da Folha de domingo passado. Muitos livros sobre as redes já notaram essa tendência a que cada usuário forme uma rede pessoal que espelhe suas posições ideológicas (as tais ‘células’ do editorial). Essa tendência me parece verdadeira, mas o fundamental aqui é que essa crítica se volta também contra a mídia tradicional, com a mesma pertinência — e isso nunca foi tão explicitado, nunca se tornou tão evidente quanto agora, precisamente pela produção crítica que circula nas redes. A grande mídia tradicional abre espaço para o contraditório, mas sua visão dominante tende a construir a realidade para seus leitores segundo os mesmos princípios acima criticados. Nesse momento histórico dos protestos, não tem sido possível sustentar uma suposta naturalização da produção da realidade (a realidade, não custa ser didático aqui, é sempre uma produção). Os ideários políticos que orientam a interpretação da realidade foram escancarados. E para isso muito têm contribuído as redes sociais. Vou dar um exemplo, servindo-me do próprio jornal O Globo. O Papa Francisco, em seu discurso no Theatro Municipal, disse a seguinte frase: ‘Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo’. No dia seguinte, a manchete da capa do Globo era: ‘Papa prega diálogo contra protestos violentos’. Ora, o Papa criticou, ao mesmo tempo, o Estado surdo e a resposta violenta das ruas. Ao optar por suprimir a crítica do Papa ao Estado (no caso, a carapuça serve como uma luva ao governador Sérgio Cabral), o jornal praticou precisamente uma ‘reiteração de suas certezas’.”

Trecho do artigo Metamídia, de Francisco Bosco

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