“Entendo o que o público sofisticado quer dizer. Como tantos outros, sou saudosista. Gosto de escrever em Times New Roman, como se fosse uma caligrafia minha, vício decorrente de minha teimosia em continuar a escrever à mão. Escrevo em Times New Roman assim como adoro povoar o meu jardim com sambas de Cartola, Chico Buarque, Brancura e Marçal. No dicionário da música, ainda estou na letra B: ouço Bach, Brahms, Berg, Beethoven. Bem entendido, é apenas o meu jardim. Por vezes ele é invadido por ruídos de máquinas e hits das baladas sertanejas hoje em moda, como foi antes tomado pelo funk, o pagode, o tecnobrega, o rock e o pop mais desqualificado. Não raro, essas músicas entram no meu quintal e acabo me divertindo com elas. Às vezes tudo o que eu sou obrigado a ouvir é Eu te Amo e Open Bar, o novo sucesso de Michel Teló. Eu não sou surdo. Não sou de aço.
Minha própria condição de jardineiro infiel me leva à dedução de que aquilo que o público sofisticado quer dizer não se coaduna com a realidade. Estamos na segunda década do século 21. A expressão popular se alterou profundamente com a imensa quantidade de informação trazida pelas novas tecnologias, como a interconexão planetária imposta pela internet. O brega se juntou ao tecno, o samba ao funk, o forró ao eletrônico – e assim ad nauseam, numa inevitável corrente de acasalamentos artísticos, ideológicos e culturais. Vamos nos cingir ao caso do Brasil: uma nova classe média se alevanta, e com elas, seus valores mais queridos. A nova classe média antes respondia pelo gosto popular. Mas agora ela dá as cartas, tornou-se determinante (mainstream é o termo em voga) em ditar gosto, modos de vida e comportamento. Atitudes e palavras que talvez repugnem a elite, mas que nunca deixaram de fazer parte dos valores populares, e agora penetram insidiosamente nos hábitos e folguedos da classe dominante globalizada.
Essa promiscuidade do imaginário é o que músicos como Teló, Luan Santana e Gusttavo Lima refletem e trazem à tona com força transformadora. Refrãos como o de Balada Boa, gravada por Gusttavo Lima, já são sucesso do verão e traduzem os vocabulário dos jovens nas baladas sertanejas, que viraram arenas de liberdade e sexo: ‘Gata, me liga, mais tarde tem balada, quero curtir com você na madrugada: dançar, pular, que hoje vai rolar o tchê tchererê tchê tchê’. Gestos obscenos como os de Ai, Se Eu te Pego são repetidos mundialmente, em versões as mais inusitadas. É repugnante – e irresistível.”
Trecho do artigo Sertanejos Universais, de Luis Antonio Giron
Publicado
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012 às 3:04 pm e categorizado como Blog.
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Por que Michel Teló nos pegou?
“Entendo o que o público sofisticado quer dizer. Como tantos outros, sou saudosista. Gosto de escrever em Times New Roman, como se fosse uma caligrafia minha, vício decorrente de minha teimosia em continuar a escrever à mão. Escrevo em Times New Roman assim como adoro povoar o meu jardim com sambas de Cartola, Chico Buarque, Brancura e Marçal. No dicionário da música, ainda estou na letra B: ouço Bach, Brahms, Berg, Beethoven. Bem entendido, é apenas o meu jardim. Por vezes ele é invadido por ruídos de máquinas e hits das baladas sertanejas hoje em moda, como foi antes tomado pelo funk, o pagode, o tecnobrega, o rock e o pop mais desqualificado. Não raro, essas músicas entram no meu quintal e acabo me divertindo com elas. Às vezes tudo o que eu sou obrigado a ouvir é Eu te Amo e Open Bar, o novo sucesso de Michel Teló. Eu não sou surdo. Não sou de aço.
Minha própria condição de jardineiro infiel me leva à dedução de que aquilo que o público sofisticado quer dizer não se coaduna com a realidade. Estamos na segunda década do século 21. A expressão popular se alterou profundamente com a imensa quantidade de informação trazida pelas novas tecnologias, como a interconexão planetária imposta pela internet. O brega se juntou ao tecno, o samba ao funk, o forró ao eletrônico – e assim ad nauseam, numa inevitável corrente de acasalamentos artísticos, ideológicos e culturais. Vamos nos cingir ao caso do Brasil: uma nova classe média se alevanta, e com elas, seus valores mais queridos. A nova classe média antes respondia pelo gosto popular. Mas agora ela dá as cartas, tornou-se determinante (mainstream é o termo em voga) em ditar gosto, modos de vida e comportamento. Atitudes e palavras que talvez repugnem a elite, mas que nunca deixaram de fazer parte dos valores populares, e agora penetram insidiosamente nos hábitos e folguedos da classe dominante globalizada.
Essa promiscuidade do imaginário é o que músicos como Teló, Luan Santana e Gusttavo Lima refletem e trazem à tona com força transformadora. Refrãos como o de Balada Boa, gravada por Gusttavo Lima, já são sucesso do verão e traduzem os vocabulário dos jovens nas baladas sertanejas, que viraram arenas de liberdade e sexo: ‘Gata, me liga, mais tarde tem balada, quero curtir com você na madrugada: dançar, pular, que hoje vai rolar o tchê tchererê tchê tchê’. Gestos obscenos como os de Ai, Se Eu te Pego são repetidos mundialmente, em versões as mais inusitadas. É repugnante – e irresistível.”
Trecho do artigo Sertanejos Universais, de Luis Antonio Giron
Publicado quinta-feira, 12 de janeiro de 2012 às 3:04 pm e categorizado como Blog. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.