O que é pior: manter engaiolados três urubus que já nasceram em cativeiro ou confinar a arte na jaula asfixiante do lugar-comum?
“Em plena Bienal, entre faixas pedindo que eu fosse preso, meu trabalho [Bandeira Branca] foi atacado por um pichador, que driblou a segurança, rasgou a tela de proteção aos urubus e danificou uma das esculturas de areia. Fomos cercados, eu e minha mulher, por militantes ecologistas, que nos xingavam e gritavam do outro lado do vidro do carro, a boca em câmera lenta, ‘a-li-men-ta-e-les!’ _o que, claro, já havia sido feito naquele mesmo dia. Barbara Gancia, colunista da Folha, chegou a pedir, utilizando um imaginário de repressão militar ou de milícia fascista, que eu fosse colocado de cuecas contra um muro e submetido a uma ducha com as mangueiras para incêndio do corpo de bombeiros. (…)
Para mim, o mais impressionante de tudo isso foi a absoluta incapacidade, digamos, interpretativa de quem me atacou, a recusa de ver outra coisa, de relacionar o sentimento de adesão ou de repulsa que meu trabalho tenha causado com qualquer coisa proposta por ele, em suma, a desfaçatez com que foi usado como trampolim para um discurso já pronto, anterior a ele, que via nele apenas uma possibilidade de irradiação. Para isso, é claro, o principal ingrediente é que fosse tomado de modo absolutamente opaco e literal, espécie de cadáver sem significação. Para que possa ser veículo estrito de discursos e de grupos, sem que utilize seus recursos, digamos, naturais (sedução, desejo, ambivalência), o trabalho de arte tem de estar, de fato, desde o início definitivamente morto. Daí, creio, a ferocidade com que fui atacado _uma espécie de operação higiênica preventiva, para impedir que qualquer germe de espanto, ambiguidade, beleza, estupor, pudesse aparecer, desqualificando o desejado consenso.
No fundo, acho que a frase famosa de Frank Stella, que jogou uma pá de cal nas ilusões subjetivas de começos dos anos 60 e inaugurou as poéticas minimalistas que duram até hoje, ‘What you see is what you see’ (‘O que você está vendo é o que você está vendo’), parece ter migrado da arte para o mundo. A literalidade das obras de um Carl Andre ou de um Donald Judd transferiu-se inteira para as instituições e para o público. Por isso talvez caiba hoje à arte a tarefa bastante simples, mas tão difícil, de dizer exatamente o contrário: ‘O que você está vendo NÃO é o que você está vendo’. Ou seja, sonhar.”
ok, achei radicais as reações à sua obra. mas é importante reconhecer também que seu “experimento” não teve poder artístico suficiente para ultrapassar a “literalidade”, conduzir ao sonho (pois que é responsabilidade demais para ficar só nas mãos do espectador). na minha opinião, essa é uma das grandes questões da arte contemporânea. ela tem medo de ser arte. tadinha!
Dou todo apoio a vc, Nuno Ramos!
Júlia Medeiros do comentário acima, como ela mesmo diz, tem medo de ser arte, e ainda mais, contemporânea. Bárbara Gancia também tem, mas infelizmente ela tem mais poder.
Não vou ficar atacando os outros. Vou dar apoio à obra. Se a questão realmente fosse o direito dos animais, a discussão com certeza seria outra. Não sei por que sempre há um bode expiatório para atingir a arte.
Acima da minha revoltar, respiro fundo e compreendo que o povo brasileiro em geral não tem acesso e mais importante ainda, não tem incentivo (educacional principalmente) para relativizar, compreender e criticar (de forma concisa) a produção artisca.
Fui à Pinacoteca esses dias e fiz questão de assinar todos os livros de visita não com meu nome, mas com a seguinte frase (em caps locke): ARTE, PELA VOLTA DOS URUBUS! Foi um ato um tanto infantil, mas não tanto quanto certos outros atos.