“- Você está muito elegante, vagabundo, disse Francis.
– Estive no hospital.
– Por quê?
– Câncer.
– Sem sacanagem. Câncer?
– O médico me contou que vou morrer dentro de seis meses. E eu disse que quero beber até morrer. Ele disse que não faz a menor diferença se eu quiser comer ou beber, porque vou morrer de qualquer jeito. E vou dessa para melhor, com câncer. No estômago, parece que faz um buraco, sabe como é? Eu disse que estava querendo chegar aos 50. E o médico disse que eu não tinha a menor chance. Eu respondi que tudo bem, que diferença faz?
– Que azar o seu, hein? Tem uma garrafa aí?
– Tenho um dólar.
– Jesus, já é um bom começo, disse Francis. Mas aí ele se lembrou da dívida com Marcus Groman.
– Escute aqui, vagabundo, disse ele, quer vir trabalhar comigo para ganhar um dinheirinho? Depois, podemos comprar umas garrafas e comida.
– Trabalhar onde?
– No cemitério. Cavando e carregando terra.
– O cemitério? Por que não? Já está mesmo na hora de ir me acostumando. O que é que eles pagam?
– E eu lá sei?
– Estou querendo saber se eles pagam em dinheiro ou se dão um túmulo de graça quando o sujeito bater as botas.
– Se não for dinheiro, estou fora, disse Francis. Não vou cavar a minha própria cova.”
Trecho de Ironweed, romance de William Kennedy
Publicado
sexta-feira, 6 de agosto de 2010 às 1:52 pm e categorizado como Blog.
Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.
Dois perdidos numa noite suja
“- Você está muito elegante, vagabundo, disse Francis.
– Estive no hospital.
– Por quê?
– Câncer.
– Sem sacanagem. Câncer?
– O médico me contou que vou morrer dentro de seis meses. E eu disse que quero beber até morrer. Ele disse que não faz a menor diferença se eu quiser comer ou beber, porque vou morrer de qualquer jeito. E vou dessa para melhor, com câncer. No estômago, parece que faz um buraco, sabe como é? Eu disse que estava querendo chegar aos 50. E o médico disse que eu não tinha a menor chance. Eu respondi que tudo bem, que diferença faz?
– Que azar o seu, hein? Tem uma garrafa aí?
– Tenho um dólar.
– Jesus, já é um bom começo, disse Francis. Mas aí ele se lembrou da dívida com Marcus Groman.
– Escute aqui, vagabundo, disse ele, quer vir trabalhar comigo para ganhar um dinheirinho? Depois, podemos comprar umas garrafas e comida.
– Trabalhar onde?
– No cemitério. Cavando e carregando terra.
– O cemitério? Por que não? Já está mesmo na hora de ir me acostumando. O que é que eles pagam?
– E eu lá sei?
– Estou querendo saber se eles pagam em dinheiro ou se dão um túmulo de graça quando o sujeito bater as botas.
– Se não for dinheiro, estou fora, disse Francis. Não vou cavar a minha própria cova.”
Trecho de Ironweed, romance de William Kennedy
Publicado sexta-feira, 6 de agosto de 2010 às 1:52 pm e categorizado como Blog. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.