Arnaldo Antunes

Foto Ana Ottoni

Arnaldo Antunes com o poema visual Transpirante

O cantor e poeta está em turnê para divulgar o disco Iê Iê Iê

Gestos mínimos, simplórios, quase imperceptíveis têm o poder de anular o mal? Uma parte de Arnaldo zomba da pergunta: claro que não! Mas outra parte hesita: claro que não? E, sem grande esforço, logo se impõe. É por isso que o cantor nunca deixa de bater na madeira quando escuta, diz ou pensa algo ruim. Três pancadinhas curtas, toc toc toc, e as nuvens pesadas se dissipam, ainda que ilusoriamente. Se não há madeira nas proximidades, bate sobre a própria cabeça com a mão direita fechada. Gestos mínimos, simplórios, quase imperceptíveis que, no entanto, revelam uma pretensão imensa: a de conter o indomável
Virginianos, ensina a astrologia, gostam de organização. Precisam ordenar tudo e detestam não acabar uma tarefa. Arnaldo nasceu em setembro de 1960. Está sob a regência de Virgem. Portanto… Espalha listinhas de afazeres pelas bordas do computador que mantém no quarto. Passa meses ensimesmado à procura de soluções para um disco ou um livro inconcluso. E perde o sono por causa de e-mails que não conseguiu responder durante o dia.
Em cena, também costuma bater na cabeça. De novo, um gesto mínimo e simplório, só que nada imperceptível. Arnaldo desfere um tapinha na testa, joga-se de leve para trás e meneia o corpo simultaneamente, como quem toma um passe e mergulha num rápido transe. O palco torna-se, então, um lugar de descarrego e entrega. O reino onde o compositor finalmente se curva à desordem e celebra o descontrole.

Desde os 19 anos, engata um casamento no outro. Foram três uniões, incluindo a atual, com a artista plástica Márcia Xavier. As duas primeiras seguiam um modelo mais corriqueiro. A de agora se dá em casas separadas. Romântico, afetuoso, sente-se bem numa relação estável e duradoura. Talvez até acredite em almas que se completam à semelhança de tampas e panelas, pés cansados e chinelos velhos ou metades de uma única laranja. Mas evita admitir porque não suporta chavões.
Na adolescência, buscando extravasar os ímpetos amorosos, gravou a Fita das Musas com o grupo de amigos que, depois, iria fundar os Titãs. Tratava-se de um K7 em que os garotos reuniam vinhetas, músicas e poemas inéditos. Uma parcela considerável das criações se referia às mulheres que incendiavam os sonhos dos rapazes. A lista, muitíssimo democrática, englobava tanto as meninas da vizinhança quanto a inquieta Yoko Ono, parceira de John Lennon, e a inebriante Maria Schneider, estrela do filme O Último Tango em Paris.

Ele não sabe, nem deseja saber, de onde vieram seus antepassados. Portugal? Espanha? Tampouco se preocupa em descobrir a etimologia do próprio nome. Sinceramente, não vê nenhuma graça em bancar o arqueólogo de si mesmo.

Quando morava com os pais e os seis irmãos, se mudou umas sete vezes, sempre dentro de São Paulo. Tinha prazer de integrar uma família tão nômade. Os deslocamentos, típicos da classe média que paga aluguel, não lhe traziam insegurança ou angústia. Pelo contrário: imaginava-se um explorador que jamais desperdiçava a chance de ocupar novos territórios.
Adulto, se estabeleceu no Alto de Pinheiros, bairro nobre paulistano. Entretanto, por força das turnês, continua alimentando o espírito andarilho e não sofre com as agruras que teimam em assombrar os viajantes de carteirinha. Tumulto nos aeroportos, alterações drásticas de clima, saudades do temperinho caseiro? Nada o incomoda. Aprecia as viagens mesmo nas ocasiões em que a agenda apertada só lhe permite ir do hotel para o local do show. Observar uma cidade desconhecida pela janela do carro é também um modo de vivenciá-la.

Certa vez, ainda adolescente, o cantor levou uma bronca do pai, um professor de matemática que cultiva o hobby de tocar piano. Arnaldo não lembra exatamente o que motivou o puxão de orelha. Recorda-se, porém, que estremeceu diante dos gritos paternos. As pernas bambas o desnortearam. Concordava que deveria respeitar o “velho”. Mas sentir medo dele? Por quê? Não encontrava argumento razoável que legitimasse o terror. Chamou o pai de lado e lhe pediu: “Nunca mais me deixe temê-lo”.
Hoje, com os quatro filhos, tenta justamente inspirar respeito sem disseminar o medo. Nem sempre consegue.

Na infância, adorava montar os objetos de papel que a revista Recreio oferecia de brinde. Recortava as figuras planas que preenchiam o encarte de folhas grossas e, lendo as orientações dos editores, transformava tudo em miniaturas coloridas. Desconfia que semeou ali, naquelas tardes, o gosto futuro por confundir as palavras com coisas, à maneira dos poetas concretos.
Escrever é sinônimo de abandonar. Quem constrói uma frase em detrimento de outras infinitas possibilidades ganha a frase, mas abdica das infinitas possibilidades. Há euforia e dor no processo, apego e desapego, ousadia e conformismo, como no desmanchar de uma banda ou no fim de um casamento.

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