Amanda Wingfield

Foto João Wainer

 Cássia Kiss com a máscara de Amanda Wingfield
A personagem da peça O Zoológico de Vidro incorpora em Cássia Kiss e afirma, exaltada: “O amor nunca oprime” 

Saint Louis, década de 1930. Os Estados Unidos atravessam a Grande Depressão. No apartamento dos Wingfield, reina a discórdia. Amanda, a chefe da casa, vive em atrito com Tom e Laura, seus jovens filhos.

BRAVO!: Você é feliz?
Amanda Wingfield: Bingo! Podia apostar que o senhor não iria resistir à pergunta. Uma perguntinha manjada…
Responda, por favor.
Feliz? Olhe para mim, olhe para o cubículo onde moro, olhe para o Tom e a Laura. Tudo uma droga! Eu merecia coisa melhor, bem melhor. O senhor talvez duvide, mas tive uma juventude deslumbrante, família abastada, criados. Fui uma moça interessantíssima, de raciocínio ágil e língua afiada. Lembro-me de um domingo glorioso em Blue Mountain… O senhor já visitou Blue Mountain? Naquele domingo, que domingo!, 17 pretendentes me cortejaram. Dezessete, o senhor ouviu? Eram, na maioria, proeminentes fazendeiros do Mississippi. Havia o Frank Laughton, o Hadley Stevenson e, claro, o George Orson, um bonitão que depois se mudou para Nova York. Ele fez fortuna por lá. Ficou conhecido como “o lobo de Wall Street”. Imagine: um lobo… E me desejava.
O que saiu errado?
Difícil explicar. Não compreendo por que acabei fisgando justo o pai dos meus filhos naquele mar de pretendentes. Que insensibilidade a minha! Escolher o peixe pequeno, um simples funcionário da telefônica. Galante, risonho e beberrão, o patife. De tanto lidar com telefones, se apaixonou pelas chamadas de longas distâncias e resolveu atendê-las pessoalmente. Sumiu de uma hora para outra. Pluft! E me largou aqui, sozinha, com o Tom e a Laura.
Você ainda se julga interessante?
Eu? O senhor deve notar que já passei dos 50, não? Há tempos deixei de ser uma menina. Mas se abro meu baú e experimento um dos vestidos maravilhosos que usava em Blue Mountain… Deus! Sinto que me torno de novo uma figura muito atraente.
Por que você briga tanto com seus filhos?
Ora, não brigo tanto assim. Ou brigo? O problema é que o Tom insiste em me tirar do sério. Ele trabalha no depósito dos sapatos Continental. Nunca me revelou o que faz ali. Sei apenas que fatura US$ 650 por mês. Uma bagatela, não vou negar. Só que a ninharia ajuda imensamente em nossas despesas domésticas. Melhor umas migalhas do que nada, o senhor não acha? Se o Tom prezasse o emprego, seguramente conquistaria uma promoção. É um mocinho esperto, acima da média. Acontece que ele prefere o sonho. “Quero voar alto”, não se cansa de proclamar. Mas o que significa voar alto? Gastar horas lendo e escrevendo? Sim, porque o Tom escreve sem tréguas, como um lunático, e não desgruda dos livros. Aprecia uns romances imorais, “O Amante de Lady Chatterley” e outras bobagens. À noite, depois de comer, foge para a rua e se enfurna no cinema. Pelo menos é o que diz. Eu não acredito. Ninguém consegue ver filmes com tamanha frequência, consegue? O Tom, na realidade, se parece cada vez mais com o pai. Um dia, tenho certeza, também vai me abandonar.
E a Laura?
É tímida em excesso. Fala pouquíssimo e não perde aquela expressão de quem levou um susto. O que a assusta, afinal? Semanas atrás, lhe paguei umas aulas de datilografia, taquigrafia ou algo do gênero. Joguei dinheiro fora. Laura não aproveitou. Ela só pensa em cuidar do tal zoológico de vidro, uns bichinhos de brinquedo que mantém numa cristaleira e que trata como amigos. Por que uma jovem de 23 anos ainda se importa com miniaturas? Laura precisa se casar logo. Quando o Tom desaparecer daqui, não poderei sustentá-la. O que ganho vendendo assinaturas da revista A Mulher de Hoje é suficiente apenas para mim. Aliás, o senhor não gostaria de comprar uma? Sua esposa vai adorar.
Não, obrigado. Recentemente, você convidou Jim O’Connor, colega de Tom, para um jantar em família. Planejou tudo com a esperança de que o rapaz se enamorasse de Laura. No entanto, você o recebeu trajando um dos exuberantes vestidos de Blue Mountain. Por que agiu dessa maneira?
Para o nosso convidado perceber que, embora humildes, somos uma família sofisticada.
Pareceu-me que você competia com Laura…
O quê? O senhor enlouqueceu? Eu atraí 17 pretendentes num único domingo. Já a Laura… Não passa de uma aleijada! Perdoe-me o adjetivo cruel. É que a garota tem um defeito na perna e manca bastante. O senhor não reparou? Como posso competir com a pobrezinha? Seria desleal de minha parte. Francamente! Amo a Laura! Amo o Tom! Só quero o bem dos dois.
Mas às vezes o amor oprime, não?
Oprimir? Que ideia absurda! O amor jamais oprime. Jamais!

ONDE ENCONTRAR Amanda Wingfield
Na peça “O Zoológico de Vidro”, de Tennessee Williams. Direção de Ulysses Cruz. Tradução de Marcos Daud. Com Cássia Kiss, Kiko Mascarenhas, Karen Coelho e Erom Cordeiro.
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