Regina Duarte: "Eu me arrependo de haver interpretado personagens de modo tão exagerado"


Em uma longa e amalucada entrevista, a atriz reflete sobre os 50 anos de carreira, nega ser tucana e questiona o fato de sair na capa de BRAVO!: “Vocês enlouqueceram? Os leitores vão rejeitar!” 
 
“Regina gostaria de dar uma entrevista à BRAVO! sobre política. Interessa?” Quando a assessora de imprensa me fez a oferta por telefone, em meados de 2012, confesso que fiquei bastante intrigado. A Regina Duarte? Uma entrevista sobre política? Depois de tanto tempo sem abordar o assunto em público? “A própria. Ela está festejando 50 anos de carreira e logo, logo vai lançar uma peça, uma exposição e um livro. O timing é perfeito para a revista, não?”
Continuei surpreso. Por décadas, a atriz cultivou o hábito de levantar bandeiras políticas, quase sempre de viés progressista. Enquanto o Brasil amargava a ditadura que se instalou em março de 1964, Regina manifestou-se favorável à anistia dos perseguidos pelo regime e rechaçou a censura. Também reivindicou a volta das eleições diretas para presidente da República. Em 1978, produziu e estrelou O Santo Inquérito, sob direção de Flávio Rangel. O mítico espetáculo do dramaturgo Dias Gomes denunciava alegoricamente a opressão que minava o país desde o golpe militar. Pouco depois, entre 1979 e 1980, a artista protagonizou o seriado Malu Mulher, na Rede Globo, e virou símbolo da emancipação feminina. Já durante o período democrático, apoiou diversas candidaturas de Fernando Henrique Cardoso. Não à toa, no primeiro governo presidencial do sociólogo, se tornou conselheira do Comunidade Solidária, programa que almejava erradicar a pobreza. Em 2002, porém, cometeu uma espécie de suicídio via satélite. Foi à televisão e, no horário eleitoral, afirmou ter medo de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidenciável do PT, que disputava o segundo turno com o tucano José Serra. O tom alarmista da declaração (“Sinto que o país corre o risco de perder toda a estabilidade conquistada”) indignou uma parcela significativa dos brasileiros, em especial os militantes petistas mais aguerridos, que nunca perdoaram a intérprete. Experimente digitar o nome dela no Google junto da palavra “medo”. Surgirão 268 mil resultados, inúmeros nada lisonjeiros à atriz. Escaldada pela má repercussão, Regina decidiu se recolher e praticamente deixou de discorrer sobre política na mídia. Por que mudaria de ideia justo agora? Qual o sentido de mexer com fogo num momento de celebração?
Resolvi pagar para ver. Mas impus a condição de só procurar Regina após as eleições municipais de outubro. Queria evitar que a artista tomasse a BRAVO! como palanque e defendesse o candidato X ou Y. No finzinho de novembro, entrei em contato com a assessoria, me certifiquei de que nosso acordo perdurava e agendei o papo para 7 de dezembro. Preparei, então, 38 perguntas, todas de cunho político: a atriz se arrepende do que disse em 2002? Sofreu boicote de colegas e do próprio governo petista por causa da afirmação? De que jeito lida com aqueles que ainda a tacham de reacionária pela internet? Etc etc etc.
A tarde do dia 7 de dezembro começou muito abafada em São Paulo. Os termômetros marcavam 34 oC quando Regina abriu a porta do apartamento onde mora, no bairro nobre dos Jardins. Paulista de Franca, a intérprete de 66 anos me recebeu à moda carioca. Usava um shortinho estampado, uma camiseta regata branca e sandálias do tipo Havaianas. Abdicando de maquiagem, exibia os cabelos displicentemente presos. Encontrava-se sozinha, algo incomum em se tratando de celebridades à espera de repórteres. Geralmente, sucesso e desconfiança andam juntos, de tal maneira que raríssimos famosos arriscam conceder entrevistas sem o testemunho de um relações-públicas, um manager ou outro profissional do gênero.
Àquela altura, a atriz já capitaneava na cidade dois dos três eventos comemorativos: a peça Raimunda, Raimunda, de Francisco Pereira da Silva, que reiniciará temporada neste semestre, e a mostra Espelho da Arte, em cartaz até 24 de fevereiro. Com cenografia de J. C. Serroni e oito ambientes, a exposição busca estabelecer nexos entre fatos históricos e a trajetória cinquentenária de Regina. Quanto à biografia que a assessora anunciara, deverá sair em maio pela editora Globo. O autor é Ivan Izzo, que também assina a curadoria da mostra.
– Eu? Falar de 2002 ou do cenário político atual?, contrapôs a intérprete, sentada à mesa da sala, assim que esbocei a primeira pergunta.
Sorridente, mas enfática, negou que pretendesse se aventurar pelo tema.
– Houve algum engano. Não me sinto nada confortável em pisar num terreno desses. Para que cutucar o touro com vara curta? Por que desenterrar defunto? Quem lucraria? Você? A BRAVO!? Eu certamente não! Prefiro manter o episódio engavetado, fechadinho no baú das minhas mais caras memórias.
Tentei argumentar. Ela, porém, não arredou pé. Será possível que a assessora de imprensa estivesse apenas blefando? Será que, malandra, me jogou uma isca tão apetitosa quanto ilusória? Regina não descartou a hipótese:
– De vez em quando, acontece. Tem assessor que promete mundos e fundos para cavar espaço nas boas publicações. Ninguém me avisou que você só se interessaria por política.
– Não mesmo? E agora?

Acumuladora
Sem responder, a atriz se levantou da mesa e caminhou até um móvel próximo, em que amontoava um bocado de papéis. Vasculhou-os ligeiramente e retornou com um pedaço de jornal. Enquanto a observava, notei que se movimentava como uma jovem – as pernas ágeis, o tronco aprumado, os braços elétricos. Longe de soarem artificiais ou extemporâneos, os gestos lhe caíam perfeitamente bem e materializavam aquilo que todos suspeitamos: os anos voam e não voam. Uma impressão reforçada pelo fato de Regina preservar o corpo quase tão magro quanto na mocidade.
– Estou com 54 kg e meço 1,65 m, confidenciaria depois. Sempre medi 1,67 m. No entanto, há dois meses, durante um check-up, descobri que minha altura diminuiu. A moça do laboratório nem ligou. Garantiu que a idade faz a gente encolher. O tempo fica cada vez mais curto, e nós também!
– 1,65 m? Parece menos…
– Nossa! Onde ando com a cabeça! Na realidade, atualmente meço 1,55 m e, antes, media 1,57 m!
– Como você controla o peso? Adota uma rotina espartana de exercícios e dietas?
– Imagine! Não sou espartana em nada! Inclusive, sou meio camicase. Gosto daquele ditado: “Se cair, do chão não passa”. Gosto igualmente dos bambus, que flexionam muito ou pouco conforme o rigor do vento. E gosto à beça de açúcar! Para compensar, pratico Pilates e costumo caminhar. Quando não carrego sacolas ou pacotes, subo pela escada os sete andares deste prédio.
De volta à mesa e ainda segurando o pedaço de jornal, me pediu para não reparar na bagunça do apartamento. Difícil atendê-la. Objetos de diversas naturezas se espalhavam pela ampla sala, onde um piano negro contrastava com sofás e poltronas brancos. Encostados nas paredes, às vezes protegidos por plástico-bolha, alguns quadros ostentavam rostos que a própria atriz retratou. Ela dedica as horas vagas à pintura desde a década de 1970.
– Faço o gênero acumuladora, sabe? Um inferno, uma maldição! Guardo tudo, tudo, tudo: elásticos, lápis, borrachas, canetas, blocos de anotações, revistas, bilhetes, chapéus, bonequinhas, cartões postais, relógios, adesivos, fotos, calcinhas, recibos de estacionamento, livros, meias, tíquetes de cinema e teatro… A mania (ou compulsão?) começou em minha primeira viagem internacional, para o México e os Estados Unidos. No voo, me encantei com os vidrinhos de geleia servidos pelas aeromoças. Coloquei uma porção deles dentro da bolsa e… Hoje vivo me repreendendo: “Desapega, Regina!” Adianta? Claro que não! É um vício horrível, mais complicado de abandonar que o do cigarro. E olhe que penei para largar a nicotina. Fumei por quase 40 anos! Frequentemente, começo arrumações com o intuito de jogar toda a quinquilharia fora, mas sempre acabo derrotada. No máximo, mudo as tralhas de lugar.
Mostrou-me, afinal, o recorte que segurava.
– Veja o que o Daniel Day-Lewis declarou: “Não sou maluco!” Que maravilha, hein? Identifico-me demais com o tipo de loucura que lhe atribuem.
Na reportagem da Folha de S.Paulo, o inglês descreve o método que utilizou para protagonizar o filme Lincoln, recém-lançado e dirigido por Steven Spielberg. O ator não apenas emagreceu e deixou a barba crescer. Ele também passou uma temporada assinando mensagens particulares com as iniciais do personagem-título, o presidente norte-americano Abraham Lincoln. “No entanto, continuo lúcido. Não enlouqueci”, frisou.
– O Daniel ganhou a fama de doido por se jogar nos papéis, em busca da perfeição. O cara recusa um padrão de conduta, um jeito corriqueiro de lidar com a profissão e trilha caminhos diferentes. Considero isso uma coisa extraordinária! Eu mesma só não sou mais louca porque… Não dá, né? Homem pode pirar o quanto quiser. Já mulher…
– Como assim?
– Mulher dificilmente consegue se isolar durante meses para escrever um livro ou algo que o valha. Fica presa à família. Quando ousa uma imersão, precisa rodar dez pratos simultaneamente: cuidar dos filhos a distância, do marido, da casa, dos amigos, do mundo. Está com a cabeça o tempo inteiro dividida. Aliás, em termos artísticos, nunca me classificaram de maluca. Mas no que se refere à minha vida pessoal… Casei-me cinco vezes e, sempre que me separei, ouvi de alguém: “Ele, o ex, disse que você é doida”. Existe modo mais fácil de desarticular o outro, de fragilizá-lo? Teve uma época em que as mães, as donas de casa vestiam tailleur. Eu, ao contrário, seguia trajando umas saionas completamente fora de moda. Valorizava ainda a comodidade do figurino hippie. Não me apertava em cinturinhas, em modelinhos. E como as pessoas reagiam? Com gracejos do tipo: “Lá vai a louca da Regina”.
– Você se casou cinco vezes?!
– Pois é… Casar no cartório, somente a primeira vez, em dezembro de 1968. Tinha 21 anos. Com os demais maridos, preferi apenas compartilhar o mesmo teto. Pertenço a uma geração que cultuava o amor romântico e se educou para atender aos impulsos das paixões, um negócio perigoso quando se trata de casamento. Na paixão, não enxergamos direito o parceiro. Nós o idealizamos, o nublamos. Uma hora, a névoa se esvai, e a gente percebe que está morando com um estranho. Na realidade, me arrependo dessas tantas uniões. Gostaria de ter me casado uma única vez. As separações traumatizam muito, provocam dores imensas, frustrações, principalmente se há filhos na parada. Invejo os casais que conseguiram atravessar a vida juntos… Conheço alguns, que me parecem bem. Caso pudesse reescrever meu percurso, tentaria compreender melhor o processo da paixão, para fazer escolhas mais… Nem sei que palavra empregar…
– E como mãe, você se arrepende do quê?
– Olha, passei longe de ser a supermãe. Aquela do manual, já escutou falar? Que se mostra absolutamente disponível e se posta à distância de um grito: “Mããããe!” Eu me encontrava quase sempre à distância de uma ponte aérea. Dos meus três filhos, nenhum possuía colegas com uma mãe tão…
– Inconstante?
– Tão fora de esquadro. Uma mulher que não estava no manual nem no gibi. Culpa, culpa, culpa! O tempo todo driblando a culpa. Mesmo agora, arrasto uma porção de culpas. Se um dos meus filhos enfrenta dificuldades, penso: “É porque você, Regina, não lhe ofereceu o apoio necessário lá atrás, quando deveria”.
– Que tipo de apoio? Cite um exemplo.
– Não vou abrir minhas relações familiares assim… Mencionarei apenas uma bobagenzinha. Falo um pouco de francês. Aprendi o idioma no colégio e podia tê-lo ensinado para meus filhos em vez de me distrair tanto com a novela A ou B. Faltou tempo, entende? Aquela espécie de tempo que gera uma intimidade maior entre pais e filhos. Faltou conversar mais, responder mais perguntas, afastar certas inseguranças deles – funções que as babás e as professoras acabaram desempenhando. Em suma: não me ressinto de nada que deixei de fazer na profissão por causa da família. Mas me ressinto muito do que deixei de fazer na família por causa da profissão.
– Você se sai melhor como avó?
– Gosto da avó que sou. Mas, de novo, passo longe da avó-modelo, padrão dona Benta, que se ajeita na cadeira de balanço e conta histórias, que prepara bolinhos, disponibilíssima, culta, inteligente…
– E assexuada.
– Exato!, gargalha. Já imaginou se a dona Benta aderisse à reposição hormonal? Iria pular rapidinho daquela cadeira de balanço! O fato é que ainda me envolvo bastante com a profissão. Por isso, meus três netos não me veem a toda hora. Sem contar que também mantenho uma casa no Rio de Janeiro e outra em Barretos (SP), onde mora meu atual marido, um pecuarista. De qualquer maneira, deslizes à parte, ser mãe e avó me agrada demais. Estaria bem infeliz se tivesse somente a profissão. Deus me livre! Lógico que me orgulho do que conquistei como atriz. Mas a carreira passa. Converte-se em fotos, vídeos, troféus, cartas, exposições. Transforma-se num adereço, num animal empalhado. Os filhos e os netos, não. Com eles, a história continua. Permanece viva. Sempre encarei o sucesso como algo superficial. Nunca me deslumbrei. Nunca! E sabe por quê? Por causa da minha formação. Jovenzinha, trabalhei sob a batuta do Antunes Filho e de outros diretores que acreditam no ator santo. Segundo eles, não existe a “figura pública do ator”, o “ego do ator”. Nada disso! A função do ator é se valer da arte para aperfeiçoar a sociedade e ponto final.
– Já que adentramos a seara dos arrependimentos, quais os que você amarga na profissão?
– Puxa, que difícil… Vamos lá: me arrependo de ter feito poucos filmes e de não ter cultivado uma patota de cinema. Arrependo-me de não conseguir trabalhar e papear mais com gente que admiro e de quem a correria me afastou. O Miro e o Luiz Tripolli (fotógrafos), o Newton Mesquita (pintor e cenógrafo), a Marika Gidali (coreógrafa), a Leilah Assumpção e a Marta Góes (dramaturgas), o Fernando Vieira (ator e mímico), o José Possi Neto (diretor)… Também me arrependo de não batalhar o suficiente pela união de minha categoria, como lutaram Cacilda Becker e Ruth Escobar. O que mais? Lamento ter interpretado meus personagens de modo tão óbvio, tão exagerado. Agi assim por instinto e por influência de inúmeras atrizes que me antecederam. Mas houve igualmente uma avaliação equivocada e preconceituosa de minha parte. O aparelho de televisão não passa de uma utilidade doméstica, certo? Quando aparecem ali, os atores competem com o jantar no fogo, a água do café fervendo, o berreiro da criançada, o bater dos talheres. Não à toa, intuí desde cedo que deveria “gritar” para me fazer compreender e atrair a atenção dos telespectadores. Duvidei deles, percebe? Do discernimento que pudessem ter. Resultado: enveredei pela hiperatuação. Tornei-me “a atriz das caras e bocas”, como me chamam na internet. Um horror! Não bastasse, tal opção acabou contaminando meus papéis no teatro e – pior – no cinema. Hoje me pergunto: se minhas atuações fossem mais contidas, meu público seria mais “seleto”? Outra pergunta: desejo, por acaso, um público mais “seleto”?
– Você descobriu as respostas?
– Não! Mas lhe dou o resumo da ópera: me arrependo de não virar a Mulher Maravilha que meu Ego Ambicioso e Vaidoso (bote tudo com maiúsculas, s’il vous plaît) almeja!
– Boa parte da crítica rejeitou a peça Raimunda, Raimunda, que você dirige e protagoniza. Doeu?
– Doeu, doeu muito. Aborreci-me por uns dias, mas depois superei. Claro que, às vezes, me ocorrem umas elucubrações do gênero: minha imagem pública adquiriu um peso tão inconveniente que acabou obstruindo, atrapalhando o olhar dos críticos. Logo, porém, descarto a hipótese. Não pretendo colocar em dúvida a isenção dos jornalistas nem subestimar a inteligência da imprensa. Terrível, destruidor, arrasador seria se a plateia não prestigiasse o espetáculo, se não morresse de rir, se não aplaudisse em cena aberta como vem aplaudindo. Fico enormemente realizada quando minha paixão por um projeto resulta no prazer dos espectadores.
– Paixão? Mas você mesma não desqualificou a paixão agora há pouco?
– Peraí! Vamos devagar! A paixão é maravilhosa, inebriante, desafiadora, sim. Só que não dura. Eis o problema de basear as relações conjugais nela. Por um lado, desejamos o “felizes para sempre” e, por outro, o passional. Numa única tacada, reivindicamos o perene e o fugaz. Qual a chance de a equação funcionar? Já a televisão, o cinema e o teatro combinam bem com a paixão porque novelas, filmes e peças têm prazo de validade. Cedo ou tarde, a ligação entre ator e personagem acaba. O timing que os norteia não destoa do timing inerente à paixão.
– Você está querendo me dizer que se apaixona pelos personagens?
– Estou. Preciso da paixão para conseguir entrar no personagem. Do contrário, nada acontece. Toda vez que aceito um papel, busco acessar o passional em mim e viro advogada, promoter do personagem. Mais ou menos como quando me apaixono por alguém.
– E se não pintar química? E se o santo não bater com o do personagem?
– Arrumo um jeito de pintar. Por exemplo: procuro inspiração em figuras célebres que lembram o personagem ou me deixo fascinar pelo figurino dele.
– Nunca falha?
– Confio no processo. Sou naturalmente positiva. Herdei o otimismo dos meus pais – um militar reformado, cearense, e uma professora de piano, gaúcha. Eles me criaram para o “sim”, para agradar, obedecer, sonhar. Você não vai acreditar, mas só caí na real, só percebi que o mundo não é cor-de-rosa há uns dez anos. Aquele papo de “namoradinha do Brasil” condizia integralmente com meu lado crédulo. Emprestei muito de mim à “namoradinha”.
– O que ocorreu há dez anos para tirá-la do “transe”?
– Experimentei a “síndrome do ninho vazio”. Meus filhos saíram de casa. Cresceram. Foi um choque de realidade imenso, um impacto, uma perda esquisita… Eu necessitava de mais tempo com os três, justamente em razão do que lhe contei sobre minhas ausências como mãe.
– Seu otimismo influenciou as escolhas políticas que você fez no decorrer da vida?
– Voltamos à política? Já lhe disse: não vou falar sobre o assunto.
– Responda apenas o seguinte: você se considera de esquerda ou de direita, progressista ou conservadora?
– Não me preocupo com rótulos. Sempre me entusiasmei por pessoas, por candidatos que me pareceram responsáveis. O Mário Covas, o Fernando Henrique… Mas nunca ingressei em partido nenhum.
– Você não é tucana?
– Não sou! Não me tache de tucana, vai!, pede, gentil. Posso, agora, inverter as bolas e lhe perguntar um negócio? Existe mesmo o off, aquela história de o jornalista desligar o gravador para o entrevistado confidenciar algo que não gostaria de tornar público?
– Existe.
– Então desligue o gravador. Vou lhe explicar umas coisas sobre política.
Desliguei.

TRÊS DIAS DEPOIS…
Passava um pouco das 17 horas quando meu celular tocou: “A Regina gostaria de lhe mandar um e-mail. Qual o endereço?” Era um assessor de imprensa. Outro – não a moça que ligara em meados de 2012. Confesso que, de novo, fiquei bastante intrigado. A Regina Duarte? Um e-mail? Então não encerramos nossa conversa?
Recebi o telefonema em 10 de dezembro, mas a primeira mensagem da atriz só chegou no dia 3 de janeiro. Houve, ainda, uma segunda. E uma terceira, uma quarta, uma quinta… Inesperadamente, me vi trocando incontáveis e-mails com Regina, que se mostrava cada vez mais divertida e franca. De férias em Paris, falava sobre diversos assuntos: da temperatura na Europa à velhice. Descrevia também os programas que fazia na cidade. Às vezes, omitia a pontuação das frases “para deixar tudo com uma cara menos datada tipo curvas da estrada de Santos mora?”. Ou enchia o texto de expressões em francês. A correspondência durou praticamente quatro semanas. Leia, a seguir, algumas partes dela:
Não ao sim: “Só pode ter sido distração minha essa estratégia de sedução que me levou a passar os últimos dias puxando pela memória e bolando formas de te dizer SIM e de te falar mais sobre o episódio do Lula em 2002 e no final acabo me decidindo mesmo por reiterar o NÃO regredir seria estupidez e também porque nem acredito mais no SIM do jeito que a adolescente tardia que fui acreditava já caiu a ficha de que o SIM é frouxo/propaganda enganosa/não dá a segurança que promete já estou crescida o bastante pra dizer NÃO mesmo querendo – simpatia – dizer SIM”.
Origem do homem: “Nutro profunda admiração por quem quer que tenha inventado o universo, o planeta, a natureza e o cérebro desse bicho doido/genialmente divino que foi criando criando (nada de sete dias, essa bobagem de carochinha) até chegar no FAX (quase caí pra trás quando vi a minha primeira transmissão) e no computador”.
Quase poliglota: “Armand, não sou fluente em nada e boto meu nariz em tudo. Embarco com aqueles livrinhos Guia de Conversação pra Viagens e no avião fico relembrando e decorando umas frases mais corriqueiras”.
Sem forças: “Você viu Amor? Vi ontem. Que filmaço, hein?! Encarar o espinhoso tema de decair, envelhecer e morrer é pra poucos. E que preciso, que delicado o (diretor Michael) Haneke. Sem desandar nunca pro melô, o sentimentaaal, o lacrimoso. Adoro quando a filha chora de costas pra gente na contraluz da janela. E quando o protagonista pega o pombo e quase não consegue levantar mais?! Começo a conhecer essas dificuldades crescentes”.
Mercado de trabalho: “Seria devastador pra minha autoestima se, depois de 50 anos de carreira, a razão pra não ser chamada com mais frequên­cia pra fazer TV fosse o fato de estar ficando cada vez mais velha”.
Olho grande: “Ando tão insegura de me perder nesta cidade tão grande que caminho com uma lupona na bolsa e sempre que necessário saco a minha lupa da mochila e observo bem de perto o que tem de ser visto. As pessoas em volta, depois de levarem certo susto, sorriem comedidamente. Você sabe como são os franceses. Aquelas gargalhadas que gosto de dar? Nã nã nã. Deixei lá em Guarulhos, na volta eu pego”.
Palhaça: “Você me acha divertida? Tremendo elogio! Já fiz tanto drama na vida que tudo que almejo agora é cultivar mon sens de l’humour”.
“Eu na capa?”: “Aproveito pra te dizer que a capa de BRAVO! não precisa. É DEMAIS! Vocês enlouqueceram? Me deixem quietinha. Como é que vocês justificariam a polêmica que comprarão? O teu pessoal vai dizer o quê? O teu pessoal? A BRAVO! não é publicação que fale com público de novela nem com gente que possa se interessar por minha EXPO. As pessoas que têm acesso à cultura em que a revista transita vão ver expos no exterior (ou vindas do), mas uma coisa brasileira, à moda da casa? E ainda por cima lá pros lados do metrô Tiradentes? Onde fica isso?! Aliás, tem uma pizzaria ali que é centenária, o dono é um encanto e a comida é toda divina, conhece?”

1 Comentário para “Regina Duarte: "Eu me arrependo de haver interpretado personagens de modo tão exagerado"”

  1. Eduardo disse:

    Ela queria dar pitaco nas eleições municipais, como a procurou depois, desconversou. Sua indecisão e covardia em falar de um tema tão marcante pra sua carreira é inacreditável. Que a velhice me traga um pouco mais de coragem e sinceridade.
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