“Deve-se fazer a distinção entre dois princípios essenciais da tradição ético-política ocidental, dos quais as nossas sociedades parecem ter perdido toda consciência: a legitimidade e a legalidade. Se a crise que estamos passando revela-se tão profunda e grave, é porque ela não põe em questão apenas a legalidade das instituições, mas também a sua legitimidade; não põe em xeque apenas as regras e as modalidades do exercício do poder, mas também o princípio mesmo que o fundamenta.
Os poderes e as instituições não estão hoje deslegitimados porque caíram na ilegalidade. Ocorre justo o contrário, ou seja, a ilegalidade é tão difundida e generalizada porque os poderes perderam toda consciência de sua legitimidade. Por isso, é inútil acreditar que se possa enfrentar a crise das nossas sociedades apenas por meio da ação – certamente necessária – do Judiciário: uma crise que investe contra a legitimidade não pode ser resolvida somente no plano do Direito. A tentativa moderna de fazer coincidir legalidade e legitimidade, buscando assegurar através do Direito a coerência de um poder, é totalmente insuficiente, como fica claro pelo irrefreável processo de decadência em que as nossas instituições democráticas entraram.”