Arquivo de dezembro de 2014

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Somente a lei é capaz de garantir a legitimidade de um poder?

“Deve-se fazer a distinção entre dois princípios essenciais da tradição ético-política ocidental, dos quais as nossas sociedades parecem ter perdido toda consciência: a legitimidade e a legalidade. Se a crise que estamos passando revela-se tão profunda e grave, é porque ela não põe em questão apenas a legalidade das instituições, mas também a sua legitimidade; não põe em xeque apenas as regras e as modalidades do exercício do poder, mas também o princípio mesmo que o fundamenta.
Os poderes e as instituições não estão hoje deslegitimados porque caíram na ilegalidade. Ocorre justo o contrário, ou seja, a ilegalidade é tão difundida e generalizada porque os poderes perderam toda consciência de sua legitimidade. Por isso, é inútil acreditar que se possa enfrentar a crise das nossas sociedades apenas por meio da ação – certamente necessária – do Judiciário: uma crise que investe contra a legitimidade não pode ser resolvida somente no plano do Direito. A tentativa moderna de fazer coincidir legalidade e legitimidade, buscando assegurar através do Direito a coerência de um poder, é totalmente insuficiente, como fica claro pelo irrefreável processo de decadência em que as nossas instituições democráticas entraram.”

Do filósofo italiano Giorgio Agamben

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Uma fundação que não prima pelo otimismo?

Sigla de uma instituição costa-riquenha

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Basta uma esmolinha?

“Os pobres não esperam mais e querem ser protagonistas. Organizam-se, estudam, trabalham, exigem e sobretudo praticam aquela solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, pelo menos, tem grande vontade de esquecer. Solidariedade é uma palavra que nem sempre agrada [e que engloba] muito mais do que alguns gestos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade. É priorizar a vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É fazer face aos efeitos destruidores do império do dinheiro: as deslocações forçadas, as emigrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas aquelas realidades que muitos de vós suportam e que todos estamos chamados a transformar. A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo, é uma forma de fazer história. (…) Já não se pode enfrentar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que só tranquilizam e transformam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver que, por trás de presumíveis obras altruístas, se reduz o outro à passividade ou, ainda pior, se escondem negócios e ambições pessoais. Jesus definiria tais atitudes de hipócritas.”

Trecho do discurso que o Papa Francisco proferiu em outubro, no Vaticano, durante o Encontro Mundial dos Movimentos  Sociais

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Zero em botânica

“Meu vizinho jogou
Uma semente no seu quintal
De repente, brotou
Um tremendo matagal
Quando alguém lhe perguntava:
Que mato é esse que eu nunca vi?
Ele só respondia:
Não sei, não conheço, isso nasceu aí
Mas foi pintando sujeira
O patamo estava sempre na jogada
Porque o cheiro era bom
E ali sempre estava uma rapaziada
Os homens desconfiaram
Ao ver todo dia uma aglomeração
E deram o bote perfeito
E levaram todos eles pra averiguação
Na hora do sapeca-iaiá, o safado gritou:
Não precisa me bater
Que eu dou de bandeja tudo pro senhor
Olha aí, eu conheço aquele mato, chefia
E também sei quem plantou
Quando os federais grampearam
E levaram o vizinho inocente
Na delegacia, ele disse:
Doutor, não sou agricultor
Desconheço a semente”

A Semente, samba de Felipão, Walmir da Purificação, Tião Miranda e Roxinho
Interpretado por Bezerra da Silva

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O pênis é sempre culpado até que se prove o contrário?

“Na banca de revista, mulheres nuas por todos os lados. Homens só na estética ‘para homens’. Mulher não deve ver pau, é feio, eca, tem que ver a foto da cara do príncipe. O menino cola o pôster da gata nua e punheta todo dia. Pras meninas, resta pôster da cara do baby Johnson na parede. Corpo é coisa pra mulher mostrar, não pra ver, muito menos pra gozar. A blusa a mulher pode tirar se for pro homem, se for pra ela, assim, só por vontade, calor, pra tomar um banho de mar, a polícia leva. Porque se um homem vir, deus, pode estuprar.
O medo, o medo, o medo.
Mulheres educadas pra princesas. Mesmo com pai e mãe mais hippie, o mundo em volta grita pra ela: PRINCESA!!!
Sente direito, feche as pernas, tá transparente, tá aparecendo a calcinha, você vai cair, vai chegar o amor, bote um sutiã, menstruar é uma delícia, não vá engravidar, essa roupa é de puta!
De repente, um pau na sua frente. (…)
Me pergunto perplexa: por que uma foto de pau significa violência? E por que, se uma mulher questiona isso, é tratada com violência? Não diga isso! Cale já a boca! (…)
Ontem escrevi no Twitter ‘A violência tá na violência. O medo tá no medo. Foto de pau não representa violência e medo. Brigo contra a violência e o medo, não contra o pau’. É preciso falar quantas vezes ‘brigo contra a violência e o medo’ pra alguém que ler entender que brigo contra a violência e o medo?
Mas aí falei a palavra mágica: pau. E mulher que fala pau não merece respeito, merece o quê? O pau como arma, como ameaça.
O senhor ator Zé de Abreu, que não conheço pessoalmente, viu a postagem de que falei acima e escreveu pra mim, no Twitter mesmo: ‘Posso te mandar foto do meu sem você pedir? Pena que nunca tirei…Uso para fins melhores’.
Ora, ora, senhor ator, guarde as armas!
Falei no texto antes desse que não acho que mandar uma foto de pau sem perguntar antes seja necessariamente assédio. Acho, sim, que um homem, ou uma mulher, numa conversa, pode achar que o clima é pra mandar uma foto e mandar sem perguntar expressamente, pra ver se o outro gosta. Repito isso da foto porque é uma coisa que é colocada como abuso em si. Se um homem quiser, ele pode realmente usar o seu corpo como ameaça, como fazem tantos homens violentos por aí. Violência castradora de mulheres, essa em que um homem ameaça com o pau, feito metralhadora de corpos. Mas isso com ou sem foto.”

Trecho de O pau como revólver, artigo da cantora Karina Buhr

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

E o torturador ainda vai cobrar pelo serviço?

“Fui ao dentista pra chumbar uma panela
Mas o gajo achou que ela, não podia obturar
Ele me disse: ‘Vou mudar toda a mobília
Tu vais ver que maravilha, Morengueira, vai ficar
Arranco tudo, arranco até o maxilar’
Mas, doutor, o que está me doendo é o pré-molar
Eu acho que vou ter um atrito com o senhor, hein?
Mas quando eu vi o boticão que ele trazia
Minha tripa ficou fria, começou a tremedeira
Quem foi que disse que o papai a boca abria
Pra espetar a anestesia na gengiva do Moreira?
Mas tem que ser, queira ou não queira
Em vista disso, pra acabar com o meu berreiro
O doutor me deu um cheiro, e eu ferrei numa soneca
E quando acordo, nem te conto, camarada
Minha boca está chupada, e a gengiva está careca
Meu panelão levou a breca…
Enquanto espero se a gengiva murcha e seca
Pra moldar a perereca provisória no bocão
Tudo o que é efe sai comprido, sai soprado
Que até fico encabulado com tamanha assopração:
Farofa fofa faz fofoca no feijão”

Fui ao Dentista, samba de Cícero Nunes e Sebastião Fonseca
Interpretado por Moreira da Silva

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A omissão dos justos

“[Durante a festa de aniversário na praça,] a cadelinha corria de um lado para o outro, confraternizando com todos, sem discriminação entre humanos e animais. Até aparecer um cachorro preto, também muito simpático, que tinha o dobro do tamanho da cadelinha e que passeava desavisado, na coleira, ao lado da dona. A cadelinha da raça Jack Russell notou imediatamente o recém-chegado e se aproximou, como vinha fazendo com os outros seres vivos. Mas em poucos segundos já estava engalfinhada com o pobre cachorro, depois de ter avançado no pescoço dele com fúria assassina, latindo e rosnando, como se estivesse num teste para o filme A Profecia. O cachorro tentava entender e se defender como podia da violência do ataque. Quando a dona da cadelinha enfim se adiantou para apartar a briga, como se tudo aquilo fosse a coisa mais natural do mundo, o marido, já com a caipirinha na mão, virou-se pra mim e disse, com um sorriso maroto de cumplicidade: ‘Basta preto querer entrar na festa’. Como eu demorei a entender, ele repetiu, para não haver dúvida: ‘Ela não deixa preto entrar na festa’.
Eu não sabia como reagir. Decidi sair de perto. Continuo inconformado com a  cara-de-pau do sujeito que conta a um estranho na rua a mesma piada que deve ser sucesso garantido entre os amigos que ele recebe no aconchego do lar. Que é que faz um sujeito supor que outro branco, por ser branco, numa festa de crianças nos Jardins (na qual havia negros entre os convidados), deve ser necessariamente racista, como ele? O episódio aconteceu poucas semanas antes de um júri nos Estados Unidos decidir não indiciar o policial branco Darren Wilson pela morte de um jovem negro desarmado, Michael Brown, em Ferguson, Missouri, desencadeando uma série de protestos contra a discriminação racial, nas principais cidades do país. A propósito do caso, a escritora de origem haitiana Edwidge Danticat publicou no blog da The New Yorker uma pequena lista com os nomes de vítimas negras da arbitrariedade policial americana dos quais ela se lembra desde que se mudou para os Estados Unidos, supondo que muitos outros nomes nunca chegaram nem chegarão à mídia ou aos seus ouvidos. Fiquei tentando me lembrar do nome de alguma vítima da discriminação racial da polícia brasileira. Em vão. E fiquei pensando se o fato de eu não lembrar (não saber) nenhum nome e de nunca ter pensado nisso não me faz, mesmo a contragosto, um candidato natural a ouvinte das piadas do dono da cadelinha Jack Russell.”

Trecho de Preto Não Entra, artigo de Bernardo Carvalho

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Desejo em comum

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Quando as correspondências chegam tarde demais

“De tempos em tempos, o correio entrega no meu antigo endereço uma carta de banco a ela destinada; sempre a oferta sedutora de um produto ou serviço financeiro. A mais recente apresentava um novo cartão de crédito, válido em todos os continentes, ideal para reservar hotéis e passagens aéreas; tudo o que ela hoje mereceria, se sua vida não tivesse sido interrompida. Basta assinar e devolver no envelope já selado, dizia essa última carta.
Sempre me emociono à vista de seu nome no envelope. E me pergunto: como é possível enviar reiteradamente cartas a quem inexiste há mais de três décadas? Sei que não há má-fé. Correio e banco ignoram que a destinatária já não existe; o remetente não se esconde, ao contrário, revela-se orgulhoso em vistoso logotipo. Ele é a síntese do sistema, o banco, da solidez fingida em mármore; o banco que não negocia com rostos e pessoas, e sim com listagens de computador.
A destinatária jamais aceitará a proposta mesmo não havendo cobrança de anuidade, mesmo podendo acumular pontos de milhagem e usar salas vip nos aeroportos, tudo isso que ela teria mas não terá, tudo isso que quase não havia quando ela existia e que agora que ela não existe lhe é oferecido; inventário de perdas da perda de uma vida.”

Trecho de K., romance de Bernardo Kucinski

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Também sou o que sinto ser?

“Quantos anos você julgaria ter se não soubesse a própria idade?”

Do filósofo chinês Confúcio 
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