“Devo tanto que, se chamar alguém de ‘meu bem’, o banco toma.”
Quando nascemos, ainda não cometemos crime nenhum. Então por que já estamos condenados à morte?
“Eu errei quando tentei te dar um lar
Você gosta do sereno
E meu mundo é pequeno pra te segurar
Vai procurar alegria
Fazer moradia na luz do luar
Vai vadiar!”
“Essa história de racismo me lembra um episódio ocorrido há quase 30 anos, quando eu, então um jovem repórter, fui enviado a Cravinhos, perto de Ribeirão Preto, para fazer uma entrevista com uma empresária que estava tentando colocar no mercado um café premium. Foram comigo o repórter-fotográfico Luiz Carlos Murauskas, o Luizão, e o motorista Corujão (cujo filho, Corujinha, também era motorista da Folha).
O pai da empresária, um imigrante italiano de uns 80 anos, vivia com ela na fazenda. Já estávamos lá havia umas duas horas quando esse senhor chegou à sede da fazenda. A filha nos apresentou. Ele se voltou para mim e disse algo mais ou menos assim:
– Vocês só vão continuar aqui, fazendo essa entrevista, porque a casa é dela. Por mim, vocês iam embora agora, porque eu não gosto de preto (eu), de judeu (o Luizão) nem de nordestino (Corujão).
A filha ficou escandalizada, o que o estimulou a repetir a frase mais duas ou três vezes, antes de me segurar pelo braço com força e dizer:
– Matei mais de 50 iguais a você lá na Etiópia.
Eu podia contestar, porque duvido que houvesse na Etiópia gente tão robusta como eu, mas preferi responder com um pedido:
– Verdade? Me conta como foi a guerra.
O velhinho se empolgou. Terminamos o dia tomando cerveja à beira da piscina (foi a primeira vez que bebi em serviço). À noite, quando nos despedimos, ele me abraçou chorando, dizendo que tinha feito um amigo. Nos convidou para voltar outras vezes.
Soube, pela filha, que ele sempre perguntava quando os meninos da Folha iam aparecer.
Morreu alguns meses depois.”
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