Arquivo de março de 2013

sexta-feira, 8 de março de 2013

Concorda em me alfabetizar, senhora?

“Deixa que a minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu Império!
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo)
Sem vestes. As joias que mulher ostenta
São como bolas de ouro de Atlanta:
Os olhos do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados, a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a qual tal graça se consente)
É dado lê-la.”

Trecho de Elegia: Indo para o Leito, poema de John Donne,
traduzido por Augusto de Campos e musicado, em parte, por Péricles Cavalcanti
No vídeo, quem interpreta a canção é Caetano Veloso

sexta-feira, 8 de março de 2013

O cúmulo da redundância?

Pegar Jesus para Cristo.

A partir de uma boutade de Adão Iturrusgarai

sexta-feira, 8 de março de 2013

Toda potência mascara uma dor que deriva do medo de perder a própria potência?

Foto de Cris Bierrenbach

sexta-feira, 8 de março de 2013

Um estranho culto ao corpo

“Hugo Chávez era cristão e simpatizava com o socialismo cristão, assim como Rafael Correa, do Equador. Me causa espécie que agora, morto, queiram colocar o corpo do comandante Chávez, morbidamente, em uma urna de cristal para que continue a ser visto por seus compatriotas ‘para sempre’, como disse o presidente interino Nicolás Maduro. Esse tipo de coisa me causa calafrios, acho bizarro manter um cadáver insepulto em uma tumba aberta à visitação, seja este cadáver de quem for. O que teme Maduro? Que os venezuelanos se esqueçam de Chávez? Não esquecerão. Está aí seu legado, e há os livros, filmes e homenagens.  Seu corpo não é necessário. Exibir os restos mumificados de Chávez é imitar o mau exemplo do que os comunistas fizeram com Lenin, morto em 1924 e insepulto até hoje, exibido em um mausoléu, mesmo tantos anos após a queda da União Soviética. Mao Tse-Tung expressou desejo de ser cremado e ainda assim seu corpo foi mumificado. Há algumas semanas, Massimo Signoracci, especialista conhecido como o ‘embalsamador dos papas’, foi visto em Havana, justamente quando Chávez se encontrava internado em estado terminal – e, diga-se de passagem, sem condições de decidir mais nada. Será que não foi outro comunista, Fidel Castro, quem teve a ‘brilhante’ ideia de embalsamar o líder venezuelano?
Acho risível, absurdo, que os comunistas, sendo ateus, não acreditem na alma humana mas se apeguem à carne morta, sem vida, como objeto de idolatria. A alma imortal não serve; o corpo, que apodrece, sim? É surreal, não faz o menor sentido. Tenho certeza que, como cristão que era, e o demonstrou inúmeras vezes neste período em que lutou bravamente contra o câncer, não foi Hugo Chávez quem planejou este final. Cristãos preferem ser enterrados, com missa, em cerimônia religiosa. Cristãos crêem na imortalidade da alma.”

Da jornalista Cynara Menezes, no blog Socialista Morena

quinta-feira, 7 de março de 2013

Se desoriente, rapaz

“Há um detalhe: a leitura ocidental é da esquerda para a direita e de cima para baixo. Você, que é hare-krishna ou coisa assim, não tente ler de outro modo. Orientalismo tem hora.”

De Millôr Fernandes
O título do post remete à canção Oriente, de Gilberto Gil
Interpretada pelo próprio Gil

quinta-feira, 7 de março de 2013

Crítica à crítica

poesia? eu faço como quero, com mel
ou ácido, com faca ou martelo.
não venha o senhor com o seu chinelo,
não venha o senhor com seu bedelho.
poesia? eu faço como quero, para baixo
ou para cima, compasso marcado a parabellum,
com o dedo bem posto no gatilho.
de aço ou de cera, de plástico ou madeira, no
fundo tanto faz a matéria do gatilho. o certo
é que faço poesia como quero, não venha
então o senhor com lero-lero.

A partir de Poema com Jeito de Canivete, de Paulinho Assunção

quinta-feira, 7 de março de 2013

Notou como são belos os homens sutis?

“Era um sujeito discreto, tímido por delicadeza. Não lembrava em nada aqueles tipos exuberantes, que marcam presença. Pelo contrário: ele desmarcava presença magnificamente.”

Do jornalista Wilson Figueiredo, sobre o cronista Paulo Mendes Campos

quarta-feira, 6 de março de 2013

E se, de repente, você tropeçar num musical?

Flashmob na estação ferroviária de Antuérpia,
organizado em 2009 para um comercial belga

quarta-feira, 6 de março de 2013

Tanto em tão pouco

“Que pode haver de maior ou menor do que um toque?”

Do poeta norte-americano Walt Whitman

quarta-feira, 6 de março de 2013

Por que o personalismo excessivo obscureceu as imensas contribuições de Hugo Chávez para os pobres da Venezuela?

“Não vou aqui desenvolver sobre o complexo processo político venezuelano, com particularidades que a vontade de transformar Chávez num herói ou num vilão geralmente esquecem. Não vou falar da melhoria das condições de vida de muitos venezuelanos, do facto de 43% do orçamento do país ser para políticas sociais, da mortalidade infantil ter caído para metade, do analfabetismo ter sido drasticamente reduzido e da Venezuela ser, com o Equador, o país da América do Sul com a maior redução da taxa de pobreza entre 1996 e 2010. Não vou falar da corrupção e da nova elite ‘bolivariana’ que, em torno de Chávez, enriqueceu às custas do novo regime. Nem da desastrosa política económica que não está a preparar a Venezuela para um futuro sem petróleo. Não vou falar de uma política que deu dignidade aos miseráveis, nem de um tresloucado populismo que partiu um país a meio. Não vou falar da justa resistência a um imperialismo que sempre tratou a América Latina como um quintal, pondo e depondo governantes, sugando os seus recursos e promovendo tiranetes. Não vou falar de amizades impensáveis com teocracias que nenhum homem de esquerda pode tolerar. Para além de conseguir aborrecer chavistas e antichavistas ao mesmo tempo, o que é sempre salutar, de pouco valeria neste momento. Aquilo de que quero falar, a propósito de Chávez, é de uma doença política, especialmente presente na América Latina, mas transversal a toda a vida política: o culto da personalidade.
É habitual, em movimentos políticos, sobretudo movimentos políticos revolucionários (mas não só), substituir o corpo das ideias, abstrato e incompreensível para quem não tenha preparação política, pela personalidade de um só individuo, facilmente apropriável por todos. Quando se trata de alguém que já morreu, a coisa é menos grave: cria-se um herói cujas características são devidamente moldadas para servir uma causa. Quando essa pessoa é viva e tem poder, isso implica que o poder se concentra nas suas mãos e os ideias pelos quais um movimento político se bate dependem das idiossincrasias desse individuo. Concentrar a simbologia de um processo político num homem dá a esse homem um poder extraordinário. Na realidade, dá-lhe um poder absoluto. E se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. O mais sólido dos democratas – que Chávez não seria – transforma-se num ditador se nele concentrarmos todo o poder político.
As intermináveis conversas de Chávez na televisão, o absurdo culto da personalidade que promoveu, a exposição de toda a sua vida pessoal, para uso político, a evidente paranoia que o levou a culpar tenebrosas forças pela sua doença, a forma como tentou eternizar-se no poder, fazendo por moldar a Constituição de toda uma nação às suas conveniências pessoais, tudo mostra um homem que olhava para si próprio como a encarnação da pátria e da sua revolução.
Dirão que a América Latina é assim mesmo, como a direita poderia dizer que as ditaduras sanguinárias que por ali vingaram eram mais características culturais do que políticas. Mas o culto da personalidade está, como a Europa sabe, bem longe de ser uma particularidade latino-americana. É uma doença política. Uma doença contrária àquelas que devem ser todas as convicções da esquerda e de qualquer democrata. Porque o culto da personalidade limita o debate democrático, dando a um homem o poder da infalibilidade. Porque destrói o sentido critico, transformando todos os que participem no mesmo projeto político em meros seguidores de um iluminado e todos os que a determinado momento se lhe oponham em traidores. Porque, em vez de distribuir o poder pelo povo, o concentra ainda mais. Já não apenas numa classe ou num determinado grupo, mas numa só pessoa. Porque faz depender do bom-senso de uma só pessoa os bons resultados de um processo que deve ser colectivo. E é difícil alguém que concentra tanto poder não se embriagar com ele e manter a lucidez. Porque faz depender um país, um partido, uma revolução de uma só cabeça, sempre limitada na sua sabedoria, inteligência e até na sua esperança de vida.”

Trecho do artigo Santo Chávez e o pecado da soberba, de Daniel Oliveira, publicado pelo jornal português Expresso
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