Na pele do lobo

Um trumpista resiste a se despedir de Trump
Em setembro de 2018, pouco antes das eleições presidenciais no Brasil, Donald Trump ligou de Washington para Jair Bolsonaro. O então candidato do PSL convalescia de uma operação intestinal depois de levar a facada que quase o matou. “Olá, Trump! Que grande satisfação! I speak English porra nenhuma, but I will try my best aqui, tá o.k.?”, explicou o capitão reformado assim que atendeu o celular. Com um impecável terno azul-escuro, gravata vermelha e uma bandeirinha dos Estados Unidos cravada na lapela, o norte-americano logo cumprimentou o interlocutor pela pronta recuperação da cirurgia. “Você é um tough cookie”, elogiou, pretendendo dizer algo como “um osso duro de roer”. Embora falassem em línguas diferentes e sem tradutores, os dois se entendiam à perfeição. De cara, o político nova-iorquino sugeriu tratar o colega por um apelido “curto e doce”: JB. Esclareceu que aquelas iniciais combinavam bem com as dele próprio. “DT and JB”, enunciou, como se lançasse uma grife – “di ti” e “djei bi”. “Vamos ser parceiros na missão de fazer as Américas great again”, acrescentou.
O mandatário mais poderoso do mundo contou que destacara um agente da CIA para monitorar a situação em Outside Judge, ou Juiz de Fora, a cidade mineira onde Bolsonaro sofrera o atentado. Trump salientou, ainda, que confiava na vitória eleitoral de JB, apesar dos golpes baixos que o Datafolha, o Ibope, a “Globo Fake News” e até a Madonna desferiam contra o presidenciável. “Aproveite muito a posse em Buenos Aires”, recomendou, quando se despediu. Depois de agradecê-lo, o candidato de extrema direita arriscou um pedido: “Libera meu visto aí, porque marcar entrevista hoje em dia no consulado americano está mais difícil do que limpar a bunda com papel picado.”
O telefonema, of course, nunca aconteceu. Ou melhor: aconteceu, sim, mas no YouTube. O vídeo de onze minutos que exibe a tresloucada conversa já beira 1 milhão de visualizações. O carioca André Marinho, de 26 anos, o protagoniza. Ele não apenas criou o diálogo como se encarregou de interpretar DT e JB. Interpretar é pouco. O jovem praticamente se transformou na dupla. Não bastasse incorporar Bolsonaro com humor e precisão, mostrou-se ainda mais talentoso sob a pele de Trump. Conseguiu satirizar o fanfarrão republicano sem colocar peruca loira nem pintar o rosto de laranja e só se expressando no idioma do personagem.
Quando o vídeo chegou à internet, em outubro de 2018, o país já contava com bons imitadores do ex-capitão. No entanto, raríssimos humoristas brasileiros, ou talvez nenhum, arriscavam emular o big boss dos Estados Unidos. Até então desconhecido no universo da comédia, Marinho decidiu segurar a batata quente e logo se destacou. A façanha, primeiro, turbinou as redes sociais do novato, que atualmente totalizam 460 mil seguidores. Depois, lhe rendeu convites para dar entrevistas tanto online quanto no rádio e na televisão. Em todas, o rapaz esbanjou versatilidade. Revelou-se capaz de imitar desde figurões da política nacional – Ciro Gomes, João Doria, Henrique Meirelles, Sergio Moro, Marcelo Crivella – até o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, e atores gringos, como Leonardo DiCaprio. Há um ano e quatro meses, acabou se tornando integrante do Pânico, o longevo e escrachado programa da Jovem Pan FM. Em razão do emprego, abandonou a incipiente carreira de executivo e trocou o Rio de Janeiro por São Paulo, onde vive com uma irmã, a cantora Giulia Be.
Agora, às vésperas de o democrata Joe Biden assumir a Casa Branca, o artista volta e meia ouve perguntas do gênero: “Você estava torcendo para o Trump ganhar, certo? Não queria perder a imitação…” Errado. Marinho, de fato, torcia para Trump, só que por motivos puramente ideológicos. “Brinco que já nasci de terno. Sou um liberal conservador.”

De origem abastada, o moço não tem nenhum parentesco com os proprietários da Globo. Mesmo assim, costuma zombar que pertence à “parte mais rica da família deles”. É filho de Paulo Marinho, empresário que dirige o PSDB fluminense desde 2019 e que articulou a campanha de Bolsonaro à Presidência (depois das eleições, os dois romperam). Do pai, o rapaz diz que herdou o traquejo social. Da mãe, uma designer de interiores, pegou o gosto pelo inglês. Aprendeu o idioma com ela, ainda menino, e o aprimorou em colégios bilíngues. Entre 2014 e 2015, estudou ciências políticas na Universidade de Nova York. Hoje cursa o último semestre de direito, mas não planeja exercer a profissão. “Encaro o diploma como uma apólice de seguro. Vai que minha trajetória de comunicador não resulte tão exitosa quanto imagino…” Ele rejeita com veemência o mero rótulo de imitador ou humorista. “Me chame de comunicador, por gentileza. As imitações e o humor são apenas algumas das ferramentas que utilizo para me comunicar em larga escala.”
Apesar da pouca idade, fala de um jeito bem emplumado, que lembra o do senador Fernando Collor. Não à toa, vai registrando no iPhone palavras e expressões inusuais que garimpa em inglês ou português e que, um dia, cogita empregar. O glossário já soma 2 920 vocábulos. Para domar os fartos cabelos negros, usa gel “à maneira de Mitt Romney”, o republicano que Barack Obama derrotou na corrida presidencial de 2012. Quando se veste, segue “a galhardia” de Frank Sinatra, Paul Newman, Dean Martin e “todos aqueles machos alfa do passado”, o que lhe confere um visual indubitavelmente coxinha.
Por ironia, a primeira personalidade que Marinho imitou nunca rezou na cartilha dos liberais conservadores. Foi Luiz Inácio Lula da Silva. “Eu tinha somente 8 anos e vi um discurso dele na tevê.” Desde então, não deixou mais de se metamorfosear, a ponto de hoje dominar um repertório com quase cem imitações. Em paralelo, se converteu num aficionado pela retórica dos políticos, sobretudo a de Ronald Reagan, “um grande ídolo, referência máxima”. “Há pessoas que recorrem à internet para buscar videoclipes, trechos de filmes ou cenas de surf. Eu procuro comícios.” Ele jura que escutou (e analisou) 90% dos pronunciamentos de Trump enquanto tentava macaqueá-lo. Durante o processo de aprendizado, também assistiu às caricaturas geniais que os atores Darrell Hammond e John Di Domenico fazem do presidente. “Não creio que nenhum de nós vá parar de imitá-lo, não. Mesmo com a derrocada nas urnas, o Trump continuará relevante. O cara é um tipo inescapável. Gerou animosidades, mas governou como um republicano de fibra. Cortou impostos, desregulamentou a economia, criou empregos e defendeu valores patrióticos. Muita gente jamais se esquecerá disso.”
(revista piauí)

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