Quem compra seus males espanta?

“As farmácias invadiram São Paulo.
Para onde você vai, se depara com uma delas.
E tem mais. Elas são todas iguais, seguem o mesmo figurino padronizado.
Feericamente iluminadas, elas reluzem num tempo que lhes é próprio.
Dia ou noite, ali estão elas resplandecentes em sua branca limpidez.
Apesar de lembrarem um pouco os supermercados com suas gôndolas, nas quais estão expostos os remédios mais populares, os produtos de higiene, os cosméticos, as farmácias procuram afetar um ar mais compenetrado, querem ter mais classe. (…)
De onde vieram todas elas? Que fazem por aqui? Existirá tanta gente doente, precisando de seus serviços?
Supondo que seja este o caso, com sua nova roupagem, estariam elas tentando driblar uma dolorosa realidade, a realidade da doença?
Estariam tentando dizer – ‘olha, não é verdade que você está sofrendo de algum mal, que você está doente e precisando tomar remédios; você está simplesmente fazendo compras, como sempre’.
As novas farmácias estariam tentando transformar num conhecido ritual de consumo – mais um entre tantos – o cumprimento de um procedimento desagradável e angustiante, ou seja, a compra de medicações para o tratamento de enfermidades.
Muitos, aliviados, embarcam nesse engodo. O que não surpreende. Afinal, o consumo não é apresentado como a panaceia universal para combater a angústia que nos corrói?”

Trecho de Semáforos, farmácias, máscaras ou três cenas paulistanas, artigo do psicanalista Sérgio Telles

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