Nunca teremos paz?

“Nos últimos 60 anos, ao menos um milhão de pessoas participaram de linchamentos ou tentativas de linchamento neste país. O que faz desta sociedade uma sociedade altamente perigosa porque longa e demoradamente motivada a agir fora da lei no que à vida se refere. Os indícios de linchamentos e tentativas vêm crescendo: de quatro por semana antes das manifestações de rua de junho de 2013 para um por dia depois das manifestações e nos últimos dias tendem a se aproximar de dois casos diários. Pode ser conjuntural, mas é indicação de que a sociedade está descontrolada. Expressão de falta de confiança nas instituições, medo e insegurança. Tem-se dito que os linchamentos incidem de preferência sobre pobres e sobre negros. Os dados acumulados não confirmam essa suposição político-ideológica. (…) O maior número de pobres linchados se deve ao fato de que os linchamentos tendem a ocorrer mais nas áreas pobres, onde tendencialmente há mais negros. Ninguém sai dos bairros ricos para linchar pobres nos bairros pobres. O único indício de uma subjacente tensão racial em episódios de linchamento é que, se a vítima for negra, cresce a probabilidade de maior violência. Mas isso vem durante, não antes. Os dados disponíveis mostram que os pobres lincham os pobres, que negros também lincham negros e brancos. Mostram que nos linchamentos ocorridos em favelas, de favelados contra favelados, a violência é maior e mais radical do que na média dos linchamentos. É na classe média que há um número expressivo de ocorrências: 35,8%. Das vítimas de linchamentos e tentativas, 5,1% são pessoas da elite do país, o que inclui políticos e até mesmo um ministro de Corte superior de Justiça. Predominantemente, ocorrem em áreas urbanas ou rurais de povoamento recente, bairros novos ou regiões da frente pioneira. Lugares em que a sociedade procura se consolidar e onde os valores de referência da conduta recíproca ainda não se cristalizaram.”

Trecho de Seres sem Rumo, artigo do sociólogo José de Souza Martins

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