Nem pensem em jogar luz sobre as minhas trevas

“Não topo psicanálise: eu acho um negócio de doente. Uma proposta pelo avesso. O homem é uma máquina de enrustir, o homem foi feito para enrustir as coisas. Você levou uma porrada quando tinha 10 anos. Essa porrada você enruste. Você absorve as humilhações, ostenta as coisas positivas. Nós fazemos isso o tempo todo, em conversa, inclusive. Se você disser tudo o que pensa, a vida é impossível. A própria vida faz com que você, que está tranquilo, de repente encontre um cara e, tum!, ele te lembra, sem você querer, a humilhação dos 10 anos e te volta aquela dor de um certo momento. Mas logo passa. A comparação é a seguinte: tem uma caixa d’água no seu terraço, que está cheia de borra, não é verdade? Ela está sempre cheia de borra, como a tua alma. Mas a borra está lá, sedimentada. Uma vez por ano, um cara chega lá e limpa aquela caixa e a água fica meio turva durante algumas horas. Tudo bem. Agora, você pagar um sujeito para ficar com um pauzinho na tua alma, o tempo todo remexendo com os troços: ‘O que tua mãe disse?’, ‘O que o teu pai fez?’ ou “Como foi aquele cara que te comeu à força no colégio e você não reagiu?’.”

Trecho de uma entrevista de Millôr Fernandes para a extinta revista Oitenta

Nenhum Comentário para “Nem pensem em jogar luz sobre as minhas trevas”

  1. zé maia disse:

    lambe tua borra, cumpadi

  2. André disse:

    É por isso que o Millôr virou conservador e chato depois de velho: jogou tudo pra baixo do tapete. Mas ele tem razão, é mais fácil e conveniente viver assim.

Deixe um comentário

Contato | Bio | Blog | Reportagens | Entrevistas | Perfis | Artigos | Minha Primeira Vez | Confessionário | Máscara | Livros

Webmaster: Igor Queiroz