Até quando continuaremos dizendo que não sabíamos?

“Muita saliva e tinta de teólogos, biólogos e humanistas foram gastas para sacramentar a noção de unicidade dos humanos. O conceito de que só o homem é dotado de determinadas capacidades cognitivas, fonte e seiva da linguagem, da cultura e outras habilidades igualmente exclusivas, como levantar hipóteses, discuti-las e testá-las, segue incontestado. A despeito do que os animais possam criar e manipular, somos os únicos seres vivos capazes de escrever um romance, pintar uma obra-prima, inventar aparelhos engenhosos e montar um mensalão ou um cartel de drogas.
Mas não os únicos dotados de inteligência, sentimentos e outros atributos ditos humanos. Algumas espécies do reino animal também possuem consciência, reiterou um grupo de cientistas recentemente reunidos em Cambridge, na Inglaterra. Não foi uma declaração leviana, urdida ou estimulada por alguma entidade protetora de animais, mas uma afirmativa lavrada em documento, cientificamente idôneo, apresentado no dia 7 de julho durante a conferência anual do Francis Crick Memorial em torno das últimas pesquisas sobre o cérebro e seus mistérios. Há muito se desconfiava que ao menos mamíferos como macacos, elefantes, cães, gatos, e criaturas do mar como golfinhos e polvos (vide Paul, o molusco alemão que previa os resultados da Copa do Mundo de 2010) são providos de consciência. Faltava o aval da ciência, que veio sob a forma de um manifesto assinado por 13 respeitáveis neurocientistas do MIT, Caltech e Max Planck Institute. (…)
Com o respaldo de uma década e meia de estudos do fenômeno da consciência, do comportamento animal, da rede neural, da genética e da anatomia do cérebro, cada vez mais refinados por novas tecnologias de investigação, concluiu-se que as estruturas nervosas ativadas no cérebro de um bicho assemelham-se às de um humano quando também sente prazer, medo, dor e até piedade.  (…) No reino da bicharada, os antropocêntricos fundamentalistas perdem todas. Até ratos de laboratório são dados a gestos de solidariedade e sacrifício, revelou faz pouco tempo uma experiência na Suíça. Muita gente ainda ignora que os porcos são muito inteligentes e sensíveis, além de limpíssimos por natureza, e que as baleias, orcas, cachalotes e golfinhos têm o triplo das células fusiformes dos cérebros humanos. Essas células são fundamentais para o desenvolvimento da empatia. (…)
Em 2006 descobriram no zoológico do Bronx um elefante que se reconhecia no espelho. E depois outro, e mais outro. Bichos que passam no teste do espelho, como os citados elefantes, certos primatas, golfinhos e uma espécie de pássaro chamada pica-pica, são supostamente mais próximos dos humanos e mais necessitados de nossa proteção. Foi dessa premissa que a biopsicóloga Diana Reiss, do Hunter College, partiu para sua pesquisa sobre a capacidade perceptiva e interativa de determinados mamíferos. Reiss é uma das signatárias do Manifesto de Cambridge. Como os demais signatários, ela espera que, diante das evidências de que os animais ‘pensam, logo sofrem’ (cogito, ergo patior?), a sociedade dos humanos passe a tratá-los com mais respeito, dignidade e carinho.”

Trecho de Lato, logo existo, artigo de Sérgio Augusto

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