Tem certeza de que está com fome?

“Para aqueles garotos de Minnesota, as refeições aconteciam somente às oito da manhã e às cinco da tarde, resumindo-se a pratos de repolho e batatas fracionadas a menos da metade do que tinham o hábito de comer. Foi assim por um mês, dois meses, seis meses. O corpo de cada um dos rapazes devorou um quarto de si mesmo.
Há um rosto que todas as pessoas famintas partilham: o olhar apático e baço que você deve reconhecer das imagens da África ou das pessoas que moram nas ruas, e depois de apenas dois meses Buzz tinha esse olhar. É chamado de ‘máscara da fome’. Surge dos músculos faciais que definham. Algumas partes do corpo se contraem com a magreza, como os braços e as pernas, e alguns ficam flácidos, como os joelhos. Os pulmões começam a falhar, o coração perde a força, a pulsação fica mais devagar, apesar de o próprio sangue afinar com a água que o corpo acumula, quem sabe por quê? Vestir-se vira uma dificuldade; ironicamente, abrir uma tão desejada garrafa de leite parece impossível; nem mesmo um livro pode ser segurado aberto pelo tempo suficiente para ser lido. Buzz aprendeu a diferença, segundo me contou, entre a dor angustiante da fome e o golpe ligeiro, agudo. Às vezes a fome se prolonga por tanto tempo, invade o corpo com tanta intesidade para achar seus depósitos escondidos que concede uma profecia da velhice _a espinha dorsal entra em colapso, a postura tomba para frente. Um homem faminto de 20 anos pode experimentar uma sensação que só voltará a ter 60 anos depois: a sensação de ter envelhecido.”

Trecho de A História de um Casamento, romance de Andrew Sean Greer

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