O literal, em excesso, mata?

“Há dez anos ele tentava escrever o primeiro verso de um poema. Era perfeccionista. Aos 30, anteontem madrugada, gritou para a mulher: consegui, Jandira! Consegui!
Ela (sentando-se na cama, desgrenhada) O quê? O emprego?
Ele Claro que o verso, tolinha, olha o brilho do meu olho, olha!
Ela (bocejando) Então diz, benzinho.

Declamou pausado o primeiro verso: ‘Igual ao fruto ajustado ao seu redondo…’ Jandira interrompendo: peraí… redondo? Mas nem todo o fruto é redondo…
Ele São metáforas, amor.
Ela Metáforas?!?!
Ele É… E há também anacolutos, zeugmas, eféreses.
Ela ?!?!? Mas onde é que fica a banana?

Ele enforcou-se manhãzinha na mangueira. O bilhete grudado no peito dizia: a manga também não é redonda, o mamão também não, a jaca muito menos. e você é idiota, Jandira. Tchau.
Ela (tristinha depois de ler o bilhete) E a pera, benzinho? E a pera então que ninguém sabe o que é? E a carambola!!! E a carambola, amor!”

Trecho do livro Cartas de um Sedutor, de Hilda Hilst

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