As Malvinas são do Brasil

“Delegacia. Uma luz mole, a TV sintonizada no chuvisco, ventilador voraz e, atrás da mesa manca de asseio, um polícia sofrendo de desequilíbrio de pertences. O que lhe sobrava de revólver na cinta, ô Jesus!, lhe faltava em dentes na boca. Foi de beiço murcho e sem desatolar-se da cadeira que ele atendeu o cabra comparecido ao plantão apresentando um riozinho de sangue descendo pelo braço. E rogando:
– Quero fazê queixa d’ua mulé que me furô.
– Furou, foi?
– Cacho d’uamigo meu. Eles brigaram na rua, sobrou.
– Faca, foi?
– Vi não. Era um breu da peste.
– Tu é daqui?
– Sou não. Do Ceará.
– Então tu vai primeiro no hospital fazer curativo, pegue o atestado e volte depois. Pegue atestado, vi-se?
– Si siô.
– Ôxe! Essa Malvinas…
‘Essa’ Malvinas não são aquelas da famosa guerra de argentino com inglês. Estas estão léguas mais pra riba. Ficam no quengo da Borborema, a serra mágica de onde vem a fresquecência que abranda um pouco o sol naquelas bonitezas de agreste. Pra resumo, estas Malvinas são o bairro mais populoso de Campina Grande, a segunda cidade da Paraíba. Dos 400 mil campinenses, 80 mil são malvinenses. O polícia diz que cidadão furado não é comum de aparecer ali. Em compensação, Lei Maria da Penha, bebum e briga de vizinho, ave maria, de dúzia. Inda ontem teve um que se enforcou. Mas é coisa rara perto dos priscos dias. ‘Nas atualidades, estas Malvinas são paraíso, o repórter nem imagine.’”

Trecho da reportagem Malvinas, PB, de Christian Carvalho Cruz

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