“Enquanto minha morte não vem
Eu vivo de lutar contra o rei”
“O pato, menina,
é um animal
com buzina.”
“O Universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso: é-lhe apenas indiferente.”
Magérrima, alta e branca, ainda que ligeiramente bronzeada, a jovem tenta atravessar uma cerca de arame farpado enquanto foge da polícia. Traz um lenço em torno dos cabelos desgrenhados, que lembra o das muçulmanas impossibilitadas de mostrar a cabeça nua por determinação de Alá. A blusa, elegante e desabotoada, permite entrever um par de seios pequenos. Tudo indica que a moça se encontra numa zona fronteiriça, parecida com aquelas que milhares de sírios, afegãos e iraquianos cruzam ilegalmente para adentrar a Europa e escapar da miséria ou da guerra. Em meio à tensão, a fugitiva interrompe a correria e, tirando sabe-se lá de onde um smartphone Chanel, faz uma selfie.
A cena – não só improvável, como patética – integra o ensaio fotográfico que Norbert Baksa divulgou no Twitter e Instagram. Sim, o húngaro teve a desfaçatez de “gourmetizar” a tragédia dos refugiados, retratando-a com o mesmo viés erótico e cool que o mundinho da moda emprega para vender roupas, acessórios e padrões estéticos. A modelo Monika Jablonczky protagoniza a série, batizada no masculino e em alemão: Der Migrant (ou O Migrante).
Mal exibiu as imagens, Norbert levou chumbo grosso. “Inaceitável, macabro, doentio, lixo!”, esbravejaram internautas de diversas nacionalidades. Muitos aproveitaram a deixa e recordaram que o governo da Hungria vem enfrentando a onda migratória sem um pingo de compaixão. O fotógrafo, que costuma trabalhar para agências publicitárias e revistas como Elle, arriscou uma defesa: “Não pretendi ofender ninguém. Quis apenas jogar mais luz sobre um problema complexo, que afeta os europeus diariamente”. De nada adiantou. Os impropérios prosseguiram com tamanha intensidade que, ontem, o húngaro retirou o ensaio do ar. Depois de vê-lo, uma militante feminista que conheço ironizou: “O tal do Norbert está de parabéns. Conseguiu amontoar os piores ‘ismos’ num balaio só – mercantilismo, sexismo, oportunismo e cinismo”.
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